quinta-feira, 25 de maio de 2023

O CONSELHO TUTELAR: A SITUAÇÃO DE “RISCO” E A VISITA DOMICILIAR. Por: George Luis Bonifácio.


Estamos próximo dos 33 anos de aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (13/07/2023) e, ainda que decorrido mais de três décadas da vigência da lei, continua a ser imperioso tratarmos das prerrogativas e atribuições do Conselho Tutelar (por mais estranho que isso nos possa parecer, essa temática é ainda uma realidade necessária). Para tanto trataremos aqui sobre a visita domiciliar e a situação de risco, dois assuntos extremamente sensíveis que rotineiramente são interpretados ao arrepio da legislação vigente, especialmente quando relacionados ao Conselho Tutelar.

Assim sendo, é salutar sempre lembrarmos dos valiosos ensinamentos do mestre Edson Sêda (2001):  

“(...)No sistema de proteção integral a que se refere o artigo primeiro do Estatuto, não há mais autoridades arbitrárias, inquisidoras, ditatoriais. Daquilo que estava concentrado no juiz, uma parte agora é a livre competência do Conselho Municipal de Direitos (que controla desvios e omissões nas várias políticas públicas) e registra programas da política de assistência social garantindo, nesta, o princípio da prioridade absoluta a crianças e adolescentes com programas em regime jurídico de orientação e apoio sócio-familiar, apoio sócio educativo em meio aberto, colocação familiar, abrigo¹, liberdade assistida e internação. Não há mais retaguarda de nenhuma autoridade discricionária. Há programas de vanguarda decididos, coordenados e controlados pelo Conselho Municipal. Há um Fundo Municipal para propiciar que garantam o princípio da prioridade absoluta a que se referem os artigos 227 da Constituição Federal e quarto do Estatuto.

Outra parte do que era competência do juiz foi para o Conselho Tutelar. Situações em que crianças e adolescentes são vítimas por violação de direitos, e em que crianças são vitimadoras de direitos alheios segundo o Código penal (ver artigos 103 e 105 do Estatuto) não são mais apreciados pelo juiz, mas sim, pelo conselho, que representa a sociedade em nível administrativo (se houver conflito entre a decisão do Conselho e as pessoas interessadas, como qualquer demanda, o caso pode ser levado para a apreciação do novo Juiz da Infância e Juventude).

Um erro flagrante que se encontra em muitos municípios é a percepção de que o que antes era a retaguarda do juiz agora seria retaguarda do... Conselho Tutelar. Quando isso ocorre é porque as pessoas não aprenderam a passar da doutrina da situação irregular para o sistema da proteção integral. O novo Conselho Tutelar não substitui o velho juiz em suas arbitrariedades. Ele assume competências do antigo juiz para fazer coisas novas que não eram feitas antes. Essas coisas consistem em garantir que os problemas de crianças e adolescentes sejam resolvidos junto à família e à comunidade em programas em regime de orientação e apoio sócio-familiar, apoio sócio educativo em meio aberto, colocação familiar, abrigo¹, liberdade assistida, semi-liberdade e internação. Nunca se pode admitir que conselheiros individualmente façam coisas que são de assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, orientadores educacionais, auxiliares administrativos, recreadores, advogados etc. Quando os conselheiros fazem essas coisas, eles praticam o crime de ursupação de função pública  ou a  contravenção de exercício ilegal de profissão. E mais: essas coisas devem ser feitas livremente, sem precisar de uma ordem ou uma determinação de Conselho Tutelar ou quem quer que seja. Assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, advogados etc são profissionais que não dependem da ordem de ninguém (numa sociedade livre e democrática) para exercer sua profissão. E os cidadãos (numa sociedade livre e democrática) não dependem de ordem de nenhuma autoridade discricionária para ter acesso,aos préstimos de um profissional. Trata-se, portanto, de grave desvio quando cidadãos comuns  ou autoridades querem que os programas de proteção só façam coisas, quando determinadas pelo Conselho Tutelar. Isso é voltar ao velho sistema burocrático, centralizador, autoritário, dizendo que se está praticando o novo.”

(Dez anos de Cidadania – Cadernos Caminho para a Cidadania/2001-Editora UFMS/ Série Escola de Conselhos. pp.34-36/Edson Sêda) 

¹(A terminologia “abrigo” no texto acima, decorre da legislação em vigência na época da publicação do mesmo. Só com o  advento vigência da Lei Federal nº 12.010/2009,  a terminologia abrigo foi substituída por “Acolhimento Institucional.”)

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Temos verificado a contínua e insistente argumentação de alguns integrantes do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, de que o Conselho Tuteler é "porta de entrada" da política pública de atendimento e, que a situação de "risco" da criança e do adolescente deverá ser averiguada através de visitas domiciliares antes da aplicação de qualquer medida de proteção.

Isto posto, é necessário que atentemos mais uma vez ao que enuncia a Lei Federal  nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (marco imperativo para a atuação do Conselho Tutelar):

I) Da Política de Atendimento: A política de atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente, está normatizada na parte especial, título I, capítulo I, compreendida dos artigos 86 ao  88.

Assim, ao falarmos de política de atendimento, considerando a terminoligia "porta de entrada" (terminologia inexistente na norma), vamos identificar no artigo 87, III (Estatuto),  que:  a prevenção e atendimento as vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão, será executado nos âmbitos da atuação Médica, Psicológica e Social, e se dará por meio da atuação dos "serviços especiais." 

Nunca é demais recordarmos que a tipificação dos serviços socioassistênciais estão consagrados desde novembro de 2009, na resolução de nº 109 do Conselho Nacional de Assitência Social (CNAS), onde encontramos as ações preventivas, proativas e protetivas, como obrigação dos serviços da atenção básica e da atenção especial. Serviços esses que deverão está à disposição tanto do Conselho Tutelar como da autoridade Judiciária, na forma que dispõe o artigo 90 inciso I do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 90...
§ 1o  As entidades governamentais e não governamentais deverão proceder à inscrição de seus programas, especificando os regimes de atendimento, na forma definida neste artigo, no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual manterá registro das inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária.  (Destaque nosso)
Tal obrigatoriedade decorre do fato de que, somente as duas autoridades descritas em lei,  no art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Autoridade Judidiária e Conselho Tutelar), podem determinar condutas, requisitando serviços, inclusive caracterizando-se infração adminisrativa o descumprimento de tais determinações (no caso do Conselho Tutelar, suas requisições de serviços não atendidas injustificadamente – vide art. 136, III, b).
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:  
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. (Destaque nosso)
Neste diapasão. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, publicou em 2007, resolução no intuito de fortalecer o Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes, aclarando as reais e legais atribuições do órgão Tutelar:

Observemos os artigos de nºs 10, 11 e 17 da mencionada Resolução:
"Art. 10 - Os conselhos tutelares são órgãos contenciosos não jurisdicionais, encarregados de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, particularmente através da aplicação de medidas especiais de proteção a crianças e adolescentes com direitos ameaçados ou violados e através da aplicação de medidas especiais a pais ou responsáveis - art. 136, I e II da Lei 8.0690/1990.
Art. 11 - Os conselhos tutelares não são entidades, programas ou serviços de proteção, previstos nos arts. 87, inciso III a V, 90 e 118, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.” 

Parágrafo Único: As atribuições dos conselhos tutelares estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, não podendo ser instituídas novas atribuições em Regimento Interno ou em atos administrativos semelhantes de quaisquer outras autoridades.” 

Art. 17 - Os serviços e programa de execução de medidas específicas de proteção de direitos humanos têm caráter de atendimento inicial, integrado e emergencial, desenvolvendo ações que visem prevenir a ocorrência de ameaças e violações dos direitos humanos de crianças e adolescentes e atender as vítimas imediatamente após a ocorrência dessas ameaças e violações.

§ 1° Esses programas e serviços ficam à disposição dos órgãos competentes do Poder Judiciário e dos Conselhos Tutelares para a execução de medidas específicas de proteção, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente…"  (Destaque nosso).
Portanto, resta cristalino que a prevenção e o atendimento ("a porta de entrada") na política de atendimento é atribuição dos serviços especiais (art. 86, III - Estatuto) e não do Conselho Tutelar. 
II) Da "situação de risco," segundo argumentação de muitos que apontam como "obrigação" do Conselho Tutelar em realizar o primeiro atendimento, vejamos o que nos ensina o Mestre Edson Sêda (2018), em sua obra: A Criança: Manual de Proteção Integral – Versão Pós Creas. Edição Adês Rio de Janeiro – MMXVIII.
O QUE É ATENDER CRIANÇAS E ADOLESCENTES PARA EXECUTAR E PARA APLICAR MEDIDAS DE PROTEÇÃO
“Executar “medida de proteção” é cumprir o que dispõe o artigo 203, I e II da Constituição Federal:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
A proteção e o amparo estão previstos como direito  constitucional de cidadania, na hora da necessidade, seja de manhã, de tarde, de noite, de madrugada, através de profissional especializado, para que se evite toda forma de negligência, de imprudência e de imperícia, no âmbito da política de ...Assistência Social. 
A  LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), em seu artigo 23, parágrafo único, assim dispõe sobre o tema, acompanhada pelo Estatuto que manda que tal atendimento seja feito sob a forma de orientação e de apoio especializados:
Parágrafo único. Na organização dos serviços da Assistência Social serão criados programas de amparo: (Redação dada pela Lei nº 11.258, de 2005)
I – às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, em cumprimento ao disposto no art. 227 da Constituição Federal e na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990; (Incluído pela Lei nº 11.258, de 2005)
II – às pessoas que vivem em situação de rua. (Incluído pela Lei nº 11.258, de 2005)
A partir de 2011, a LOAS, em seu artigo 6 “c”, § 2º manda que cada município organize um Centro Especializado, denominado CREAS, para fazer ...intervenções de ...proteção social especial, a pessoas que ela, LOAS, rotula como ...em situação de risco¸ em consequência ...de violação de direitos, ou de outras ...contingências danosas:
LOAS – art. 6 “c” § 2º: 
O Creas é a unidade pública de abrangência e gestão municipal, estadual ou regional, destinada à prestação de serviços a indivíduos e famílias que se encontram em situação de risco pessoal ou social, por violação de direitos ou contingência, que demandam intervenções especializadas da proteção social especial.
Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e socioeducativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de I - orientação e apoio sócio-familiar;
Portanto, leitor, é direito constitucional de todo cidadão que se veja em estado de necessidade, receber de um órgão do Estado, proteção, amparo, orientação e apoio. Isso, sem burocracia, sem intervenção de autoridade alguma que o tutele como pessoa. Tal órgão do Estado, em nível municipal é a ...Assistência Social.
Entretanto, se a política de Assistência Social, como o próprio ... Estado em movimento, em nível municipal, falhar, for negligente, imprudente ou praticar imperícia, caracteriza-se ameaça ou violação do direito da pessoa necessitada ser assistida...pela Assistência Social, como prevê o artigo 98 do Estatuto:
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.

O necessitado, então, tendo sido dessa forma ameaçado ou violado em seu direito constitucional de proteção e amparo, pode se dirigir a uma autoridade competente prevista no artigo 136, I do Estatuto da Criança e do Adolescente, autoridade essa que é o Conselho Tutelar. A esse colegiado, o necessitado fará uma queixa, uma reclamação do direito ameaçado ou violado (nos termos do artigo 98, I do Estatuto). O colegiado, cumprindo o que determina o artigo 136, I do Estatuto, atende o necessitado na hipótese do artigo 98, I, cabendo a ele aplicar medida, quer dizer determinar (ler a palavra determinar no artigo 101), mandar, que a Assistência faça o que devia ter feito com eficiência e eficácia e, eventualmente, não fez:

Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:
I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, ...medidas... etc. etc.
Vê-se, portanto, leitor, que uma coisa é estar em estado de necessidade, ou estar sob os rótulos: “em situação de risco” ou em “situação de rua”, nos termos do artigo 23, § único da LOAS: 
Parágrafo único. Na organização dos serviços da Assistência Social serão criados programas de amparo: (Redação dada pela Lei nº 11.258, de 2005)
I – às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, em cumprimento ao disposto no art. 227 da Constituição Federal e na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990; (Incluído pela Lei nº 11.258, de 2005)
II – às pessoas que vivem em situação de rua. (Incluído pela Lei nº 11.258, de 2005)

Outra coisa bem diferente é estar ameaçado ou violado seus direitos, nos termos do artigo 98 do Estatuto (hipótese reproduzida na página anterior, em que age o ...Conselho Tutelar). O Estatuto não impõe rótulos às pessoas, leitor. A LOAS impõe. E o programa que a Assistência Social põe em movimento para atender o necessitado “rotulado” (mesmo programa que o Conselho Tutelar manda que seja aplicado, sem “rótulo”) é aprovado, inscrito, oficializado, em termos de direitos difusos pelo ...Conselho Municipal. 

A LOAS é lei assistencialista, rotuladora. Rotula a pessoa ...“em risco”. Etiqueta - portanto, ela discrimina - a pessoa ...”de rua”. Mas ...é lei. O Estatuto é lei não rotuladora, não discriminadora, é lei ...de cidadania. Não rotula, não etiqueta, não discrimina. Não fala em criança ou adolescente “em risco”, nem “de rua”, nem em “conflito com a lei”, como os Ministérios de Brasília (inclusive os de Justiça e de ...Direitos Humanos), incrivelmente, fazem, leitor. 

A lei que rotula comanda a discriminação pelos ...rotuladores. O Estatuto ...afirma ...direitos. Sem rotular, sem discriminar, sem etiquetar, como a burocracia brasiliense vem rotulando, etiquetando, discriminando. Os serviços previstos pela LOAS devem ser criados, mas a terminologia técnico-jurídica correta é a do Estatuto, e ela é que deve ser usada. Inclusive e, principalmente, quando se organizam os serviços altamente especializados ...do Creas.
Aí está, leitor, a rede sistêmica através da qual a proteção integral procura garantir ...direitos (sem rotular nem discriminar), e procura se movimentar no sistema político-administrativamente descentralizado previsto na Constituição de 1988 e no Estatuto de 1990. Sempre contra a burocracia centralizadora que ameaça e viola direitos.

Um direito é ameaçado quando uma pessoa está na iminência de ser privada de bens (materiais ou imateriais), ou de ser vulnerada em interesses protegidos por lei. Está violado quando essa privação ou vulneração se concretizam. Quem pensa em direitos e em deveres raciocina com ...princípios gerais. Quem é ...assistencialista é incapaz de conceber ...valores, no mundo desses ...princípios gerais. Por isso fere a dignidade humana, sem nem ao menos desconfiar que está etiquetando, rotulando, ...discriminando.

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No caso da criança e do adolescente, o Estatuto (sem discriminar, sem etiquetar, sem rotular) prevê que essa ameaça ou privação gera um direito especial de proteção quando venham a ocorrer (artigo 98 do Estatuto) circunstâncias gerais, não discriminadoras:
Por ação ou omissão de alguém da sociedade ou do Estado;
Por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
Em razão da conduta da própria criança ou adolescente (atenção: aqui não se trata da conduta da criança que ameaça ou prejudica terceiros, mas da conduta que ameaça ou viola direitos da própria pessoa que age).
Há uma observação fundamental a respeito desta atribuição do Conselho Tutelar: Anteriormente à Constituição de 1988 e ao Estatuto de 1990, criança era alvo da atenção dos adultos como... objeto (não como ...sujeito) dessa atenção dos adultos. Atendia-se a crianças e adolescentes, chamados menores (discriminando, etiquetando, rotulando como “menores”, como “abandonados”, como “perambulantes”, como “vadios” como “infratores”), ao agir sobre eles e sobre suas famílias, constrangendo-os a intervenções do Estado.
Quer dizer, chamava-se atender (não, garantir direitos, mas) submeter pessoas a constrangimentos praticados pelas... autoridades públicas, sobre suas vidas.  Hoje isso é inadmissível. Veja que o Estatuto diz que atende-se a crianças e adolescentes, garantindo-lhes ...todos, note bem, leitor, todos os direitos inerentes à pessoa humana:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Esta atribuição da Assistência Social assistindo (mas, sem rotular, sem discriminar) e, quando a Assistência Social falha, a atribuição do Conselho Tutelar de determinar proteção, amparo, orientação e apoio, a partir da mudança de paradigma instituído pela Constituição e regulado pelo Estatuto, tem a ver com a criança e o adolescente agindo como... sujeitos. 
Ou seja, a criança e o adolescente agindo por iniciativa própria, com direito a liberdade (naturalmente, nos termos do artigo 16, I do Estatuto, agindo através do uso da liberdade, jamais através do abuso da liberdade). E, em decorrência dos incisos II e VII do artigo 16 do Estatuto que rege o direito à liberdade:
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: 
 II - opinião e expressão; 
 VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.
Para não confundir a atribuição do conselho tutelar com a da assistência Social, o leitor deve observar atentamente, portanto, o seguinte: A criança e o adolescente são sujeitos do direito à proteção, quando necessitam de proteção, na política de Assistência Social, através dos programas previstos no artigo 90 do Estatuto I a IV (programa em regime de: I – basicamente, programa de orientação e apoio sócio-familiar; ou, complementarmente, II - de apoio sócio-educativo em meio aberto; ou III - de colocação familiar; ou IV - de abrigo). 
Sendo ameaçados ou violados nesse direito de proteção em programas especiais (tendo tentado deles receber proteção, e não conseguido), podem buscar refúgio, auxílio e orientação no Conselho Tutelar (isso, evidentemente, se os conselheiros forem bem escolhidos, bem formados, bem confiáveis), para que este Conselho, autonomamente (sem receber ordens de órgão público nenhum outro, dada a autonomia do conselho tutelar prevista no artigo 131), se for o caso, determine as medidas previstas no artigo 101, de I a VII. 
Esse artigo 101 diz que o conselho tutelar, como autoridade competente (para os incisos I a IV), pode determinar tais medidas. Aquela pessoa ou aquele órgão que “podem” fazer algo, “podem” também não fazer essa mesma coisa. A lei aí não diz “deve”, diz... “pode”. Autonomamente, o Conselho, apreciando o caso nos termos dos incisos I e II do artigo 136, decide se é ou não o caso de “determinar” a conduta. 
Por isso os conselheiros devem ser muito bem treinados, capacitados, formados. Veja como o Estatuto dispõe sobre os meios para alcançar tais ...fins:
Art. 134.
Parágrafo único. Constará da lei orçamentária municipal e da do Distrito Federal previsão dos recursos necessários ao funcionamento do Conselho Tutelar e à remuneração e formação continuada dos conselheiros tutelares. (Redação dada pela Lei nº 12.696, de 2012)
Tal formação continuada se alia ao processo permanente de mobilização da comunidade local, e à capacitação dos agentes que operam no âmbito da execução de programas:

Art. 92.
§ 3o Os entes federados, por intermédio dos Poderes Executivo e Judiciário, promoverão conjuntamente a permanente qualificação dos profissionais que atuam direta ou indiretamente em programas de acolhimento institucional e destinados à colocação familiar de crianças e adolescentes, incluindo membros do Poder Judiciário, Ministério Público e Conselho Tutelar. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).” (Destaque nosso)
Diante do exemplar esclarecimento do Mestre Edson Sêda, não prosperam os argumentos dos que, por desconhecimento da política de assistência social e das atribuições do Conselho Tutelar,  (muitos ainda insistem com argumentos vazios ou recheados de “achismos”) que o atendimento inicial às crianças e adolescentes em  "Situação de Risco", seria prerrogativa do Conselho Tutelar.
III) Da Visita Domiciliar: A visita domiciliar como instrumento dos profissionais que atuam nos serviços de atendimento (PAIF e PAEFI), conforme a resolução 109 do Conselho Nacional da Assistência Social, e o posicionamento do CRESS/RJ:
SERVIÇO DE PROTEÇÃO E ATENDIMENTO INTEGRAL À FAMÍLIA – PAIF: “Trabalho Social essencial ao serviço: Acolhida; estudo social; visita domiciliar; orientação e encaminhamentos; grupos de famílias; acompanhamento familiar...);
SERVIÇO DE PROTEÇÃO E ATENDIMENTO ESPECIALIZADO A FAMÍLIAS E INDIVÍDUOS – PAEFI: “Trabalho Social essencial ao serviço: Acolhida; escuta; estudo social; diagnóstico socioeconômico; monitoramento e avaliação do serviço; orientação e encaminhamentos para a rede de serviços locais...”
Do posicionamento do CRESS / 7ª Região – Conselho Regional de Serviço Social – RJ – Termo de Orientação para Visitas domiciliares para fins de averiguação de denúncias de violência intrafamiliar e doméstica (2017)
"Com o crescimento dos sistemas institucionais de proteção social contra diferentes formas de violação de direitos humanos, requisições para que assistentes sociais averiguem denúncias de maus-tratos ocorrentes no seio familiar também têm sido recorrentes. Nesse caso, a realização de uma visita domiciliar pode ser um instrumento para conhecer o contexto social em que vivem os usuários, e identificar possíveis violações de direitos que membros da família, ou ela como um todo, sofrem ou já sofreram. Situações de violência intrafamiliar e doméstica não são produzidas descoladas de um  contexto sócio-histórico. Portanto, cabe a assistentes sociais avaliar a situação considerando a realidade social e fazer as intervenções necessárias, não cabendo, entretanto, julgamento moral por parte de assistentes sociais acerca da dinâmica familiar e de seus membros. Cabe lembrar que outros instrumentos de trabalho podem ser utilizados para cumprir esse objetivo. Essa postura deve ir para além da utilização da visita domiciliar como instrumento de trabalho nessas situações. Trata-se de entender a violência como produto histórico e apontar medidas para os órgãos de proteção que atendam às necessidades dos membros da família, e assim, enfrentar as situações de violência intrafamiliar e doméstica na perspectiva da defesa dos direitos humanos."
Nesta mesma linha de pensamento e posicionamento, muito bem coloca  Reidy Rolim de Moura, Professora Doutora em Sociologia Política pela UFSC, que atua como professora efetiva da UEPG no Departamento de Serviço Social/2017:
A visita domiciliar é um instrumento técnico-metodológico que é empregada na práxis da profissão, pois facilita a aproximação do profissional à realidade do usuário. Assim, a intervenção e o estudo social no lócus proporcionam uma coleta de dados mais eficaz. O estudo social é utilizado amplamente em vários campos, e o Assistente Social por meio da observação da visita domiciliar e da entrevista realizada, coleta as informações fazendo a interpretação através do diagnóstico da situação para os interessados. 
A visita domiciliar é um instrumento técnico-operativo que Amaro (2003, p. 13) define como “uma prática profissional, investigativa ou de atendimento, realizada por um ou mais profissionais, junto ao indivíduo em seu próprio meio social ou familiar.” A visita domiciliar é realizada pelo assistente social e precisa ser pautada pelos princípios éticos, assim para elucidar Barroco (2010, p. 57) afirma que “as capacidades humanas desenvolvidas pela práxis fundam a possibilidade de o ser social se objetivar como um ser ético.” (Destaques nosso)


Diante do apresentado, resta cristalino aos que sustentam suas teses, no desejo pessoal de que os Conselhos Tutelares se submetam aos seus caprichos, forçando-os a agir fora das prerrogativas legais e, obrigando-os a substituir as deficiências dos serviços da política pública, inclusive como se os Conselhos (órgão autônomos- art. 131/Estatuto) estivessem subordinados ao Ministério Público, ao Poder Judiciário e a Secretária de Assistência Social local, atuando como, se equipe auxiliar destes fossem. Necessitam urgentemente mudar sua conduta, e respeitar o principio da legalidade, insculpida no artigo 37 de nossa Carta Magna.

Caberá aos Conselhos Tutelares resistir a tais tentativas de interferências no exercício pleno de suas atribuições legais, não permitindo que ingerências descabidas, esdrúxulas e abusivas venham a se tornar uma práxis ilegal em tão importante órgão. Nunca é demais recordarmos os ensinamentos de André Ramos Tavares: “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, sendo absolutamente livre na falta de lei. Ao contrário, a administração pública só pode atuar em havendo previsão legal expressa.” (2014, p. 1060).

Por fim, reforçamos a necessidade da atuação do Conselho Tutelar, na esfera da estrita legalidade, o que para tanto, citamos o artigo de nº 33 da Lei Federal nº 13.863/2019, que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade:
“Art. 33 Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.” (Destaque nosso)


  Natal. 25.05.2023.

Por:
George Luís Bonifácio de Sousa 
Militante de Direitos Humanos
Instrutor na Área do Direito da Criança e do  Adolescente


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