sexta-feira, 26 de maio de 2023

Comissão ouve denúncias de irregularidades em processos de adoção.


A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher recebeu denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes devido a decisões judiciais que determinaram o seu encaminhamento às famílias biológicas, onde eram vítimas de abusos. A reunião na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) foi realizada nesta quinta-feira (25/5/23), data em que se comemora o Dia Nacional da Adoção.

A advogada do Grupo de Apoio à Adoção de Belo Horizonte, Viviane de Oliveira Costa, reclamou de decisões judiciais que priorizaram os vínculos familiares, em detrimento do melhor interesse das crianças e adolescentes. 

Ela citou o caso de uma criança que acabou afastada da família adotiva por uma sentença que determinou o seu retorno à família biológica, onde ela era vítima de abuso sexual. De acordo com Viviane, a família adotiva conseguiu continuar com a criança, mas vive angustiada porque obteve apenas uma guarda provisória. 

Outro caso apresentado pela representante do Grupo de Apoio à Adoção diz respeito a três irmãs que foram afastadas da família adotiva para serem devolvidas à família biológica, onde também eram vítimas de abuso sexual. Segundo Viviane, a decisão judicial não levou em consideração os depoimentos das crianças e nem mesmo o laudo médico que havia atestado o rompimento de hímen das meninas.

Em depoimento em vídeo, uma família que não quis se identificar reclamou de uma decisão da Vara da Infância e Juventude que determinou o encaminhamento de seu filho adotivo aos pais biológicos. A sentença teria sido proferida à revelia do casal, que alega ter sido surpreendido quando o processo foi concluído. Eles conseguiram reverter a decisão em 1º grau, mas ainda há recursos interpostos em 2º grau.

Essa criança foi afastada dos pais biológicos porque foi internada com 18 dias de vida com lesões graves. Os pais foram autuados por maus-tratos, mas o inquérito policial não foi concluído, segundo Larissa Fernanda Machado Jardim, também advogada do Grupo de Apoio à Adoção. Para ela, casos como esse atestam que a situação de muitas famílias adotivas é aterrorizante por causa da insegurança jurídica.

Para Viviane de Oliveira Costa, esses casos não são isolados. “Para grande parte da sociedade, a adoção é entendida como forma de formação de uma subfamília. A Justiça dá tratamento de seres humanos de segunda categoria para as crianças e adolescentes na fila da adoção”, afirmou. Ela pediu que os direitos dessas crianças e adolescentes sejam respeitados. “Não podemos mais ser omissos e negligentes”, continuou.

Entre idas e vindas, processos de adoção demoram anos

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o prazo para conclusão de um processo de adoção é de 120 dias. Mas alguns processos chegam a durar quase dez anos. É o caso do casal Carolina e Manuel Bella, que esperaram anos para obter a guarda definitiva de sua filha Vitória.

Vivi, que já tem 11 anos, foi adotada com três anos e meio de idade. Carolina ainda se lembra do dia em que a filha entrou no carro da família pela primeira vez, no feriado de carnaval de 2015. Foi quando a Justiça concedeu o estágio de convivência com os pais adotivos.

“Eu senti um frio na barriga gigantesco, pois sabia que minha vida nunca mais seria a mesma. Era um deslumbramento tão grande, que eu não conseguia nem falar. Eu só peguei uma boneca e um arquinho de cabelo e dei para ela”, contou.

A guarda provisória veio em junho daquele mesmo ano. Em 2019, saiu a sentença de destituição do poder familiar. Mas, no final de 2020, uma reviravolta: uma decisão judicial de 2º grau determinou a devolução da menina para a avó biológica. “Aquilo foi destruidor, uma bomba nuclear na minha vida. Foi uma decisão truculenta, brutal e desrespeitosa”, disse Carolina.

Depois de ver o chão sumir sob seus pés, Carolina, juntamente com o marido Manuel, decidiu lutar para reverter a decisão judicial. Eles chegaram a fazer um protesto em frente ao Tribunal de Justiça, mas não foram ouvidos. Pela internet, organizaram uma petição pedindo providências ao Conselho Nacional de Justiça. O movimento #ficavivi obteve o apoio de 500 mil pessoas.

Em 2021, a família conseguiu uma liminar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) revertendo a decisão do Tribunal de Justiça. A adoção foi deferida por uma decisão de 1º grau em outubro do ano passado. 

“Era uma tarde chuvosa e fria, quando recebi a notícia por telefone. Ela viu de longe que eu estava chorando e perguntou: ‘Acabou?’. ‘Acabou’, eu respondi”, continuou Carolina. Entre idas e vindas na Justiça, a história teve um ponto final em abril deste ano, quando a sentença judicial do processo de adoção transitou em julgado. Com isso, Carolina e Manuel puderam respirar aliviados.

“Hoje sou amada e cuidada por todos à minha volta. Todas as crianças nos abrigos merecem ter uma nova vida, uma nova família. Elas merecem ter um amor inigualável”, disse a pequena Vivi para a plateia emocionada com sua história.

Demora na adoção causa danos psicológicos nas crianças
A demora no andamento dos processos judiciais de adoção também foi atestada por Luís Marcelo Vieira Karam, que dirige a Casa Lucas, instituição que acolhe crianças à espera de uma nova família. Segundo ele, é muito comum crianças esperarem por três ou quatro anos nas casas de acolhimento.

Luís Marcelo contou o caso de três irmãos que chegaram à Casa Lucas em 2019, vindos de outra instituição onde estavam desde 2017, e até hoje não foram adotadas. Por conta de recursos interpostos e anulação de decisões de 1ª instância, o processo de adoção foi paralisado em 2019. Ele próprio teve que provocar o STJ para que a ação tivesse prosseguimento.

As crianças à espera de um novo lar sofrem com a demora nos processos de adoção. Segundo a psicóloga Roseane Linhares, que também é mãe do coração, as idas e vindas nas tentativas de ajuste com a família biológica causam danos psicológicos imensuráveis às crianças. Entre esses danos, estão as dificuldades para gerar vínculos com as pessoas e para aceitar ajuda.

Deputada vai cobrar providências do TJ
A presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, deputada Ana Paula Siqueira (Rede), considerou absurdas as situações relatadas na audiência pública. “Quantas idas e vindas! Quanto sofrimento! Quanta dor! Precisamos chamar a atenção da sociedade para evitar novas violações dos direitos dessas crianças e adolescentes pelo Estado e pelo Poder Judiciário”, afirmou.

A parlamentar lembrou que quase 600 crianças e adolescentes aguardam na fila de adoção em Minas Gerais e ressaltou que eles têm direito a uma família.

Fonte: Assembléia Legislativa de Minas Gerais

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