quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Especialistas debatem sistemas de acolhimento familiar no Brasil e nos EUA.


Duas especialistas mostraram na quinta-feira passada (2/9), no segundo dia do “1º Encontro do Sistema de Justiça: a prioridade do acolhimento familiar”, as diferenças entre os sistemas de acolhimento familiar do Brasil e dos Estados Unidos. O serviço ainda é pouco conhecido no país, mas é o acolhimento familiar que permite a crianças e adolescentes que tiveram seus direitos básicos violados dentro de casa a possibilidade de serem acolhidas temporariamente em outras famílias, sob supervisão da Justiça e de órgãos de assistência social.

Enquanto a coordenadora da Coalizão pelo Acolhimento Familiar, Claudia Vidigal, mostrou os desafios que o Brasil enfrenta para implantar o serviço, a psicóloga brasileira Cristina Peixoto, radicada nos Estados Unidos, apresentou um cenário diferente, onde uma em cada duas crianças separadas de seus pais pela Justiça vive em uma família acolhedora após sair de casa.

O acolhimento familiar no Brasil começou, de maneira formal, em 2009, com a edição de uma lei que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, quase 12 anos depois de a prática ser autorizada pelo Estado, apenas 5% das crianças e dos adolescentes em situação de acolhimento estão em famílias acolhedoras – quase todos estão em abrigos institucionais.

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Nos Estados Unidos, 50% das crianças estão em famílias acolhedoras e apenas 6% delas, em abrigos, de acordo com Cristina Peixoto, que preside a Spaulding for Children, organização sem fins lucrativos especializada em viabilizar o serviço de acolhimento familiar nos Estados Unidos. Entre outras atividades, a entidade capacita famílias que se candidatam a acolher crianças e adolescentes separados dos pais por decisão judicial.

De acordo com a psicóloga, a importância do trabalho de preparar famílias para receber crianças e adolescentes em situação de risco se justifica pelas consequências que sair de casa causam ao aspecto emocional. “A ruptura do que é familiar para a criança pode ser profundamente determinante do desfecho da vida delas quando se tornarem adultos. Nossa obrigação como trabalhadores do sistema de acolhimento é minimizar esses impactos.”

Respondendo à promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais Paola Botelho sobre um dos gargalos para o acolhimento familiar no Brasil – o recrutamento de famílias para o programa –, a presidente da Spaulding for Children afirmou que está em constante diálogo com igrejas e entidades de saúde mental. Mais importante que o recrutamento das famílias, de acordo com a psicóloga, é o treinamento dessas pessoas que estão dispostas a receber um novo membro no seu lar, mesmo que temporariamente.

“É difícil achar uma família que está prontinha para atender criança com histórico de trauma. Temos de olhar para as características de famílias bem-sucedidas e desenvolver treinamentos com base nelas. A Spaulding desenvolve currículos de treinamento para capacitar essas famílias. À medida que aprendemos com neurociência, mudamos as formas de capacitação. O que funciona hoje pode não funcionar amanhã”, disse a especialista, que vive há 32 anos nos EUA.

Realidade brasileira

A coordenadora da Coalizão pelo Acolhimento Familiar, Claudia Vidigal, revelou uma realidade distinta, em que o Brasil ainda busca estruturar o serviço em escala nacional. Mesmo assim, apresentou os resultados que a mobilização de entidades e pessoas interessadas em expandir o serviço de acolhimento familiar no Brasil conseguiu desde o ano passado.

Em agosto de 2020, foi realizado o 1º Encontro Online de Acolhimento Familiar (ENAFAM) e a segunda edição começa no dia 28 de setembro. O Instituto Fazendo História, fundado por Claudia Vidigal, lançou o podcast “O acolher e suas singularidades”, para divulgar o modelo alternativo à institucionalização de crianças e adolescentes em risco. Um livro sobre o sistema de acolhimento familiar foi publicado e foi criado um curso de educação à distância sobre o tema.

Pesquisa realizada em parceria com a Secretaria Nacional da Assistência Social (SNAS) revelou o estágio embrionário em que se encontra o acolhimento familiar no Brasil. Apenas 1,5 mil das quase 30 mil crianças acolhidas no Brasil estão em lares temporários de famílias que participam do programa.

Entre os fatores que dificultam a disseminação dessa modalidade, gestores de 200 municípios que executam o programa afirmaram sofrer com a falta de divulgação do serviço na sociedade e do déficit de recursos humanos. As equipes técnicas agregaram que a captação de novas famílias acolhedoras também é um problema no dia a dia de quem trabalha na área.

Um dos fatores que favorecem a disseminação do serviço é o menor custo do acolhimento em uma família em relação ao acolhimento em abrigos. Nesse sentido, as realidades do Brasil e dos Estados Unidos se assemelham. A presidente da Spaulding for Children faz uma analogia entre o acolhimento institucional (em abrigos) e uma sala de UTI.

“A UTI é extremamente cara e desconfortável para todos os pacientes, deve ser um recurso só para quem realmente precise. Quem não precisa pode ser removido para uma família acolhedora ou extensa (parentes próximos ao núcleo familiar). O custo diário de um abrigo nos EUA é de US$ 400, pois envolve um tratamento e o pessoal muito especializado, enquanto uma família acolhedora consome cerca de US$ 40, US$ 50 por dia”, afirmou. No Brasil, a legislação estabelece que uma família acolhedora receba um salário mínimo por prestar o serviço.

Fonte: CNJ

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