domingo, 27 de março de 2022

Projeto que veta 'danças eróticas' em escolas é criticado.


Um projeto aprovado na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul causou protesto de professores e artistas da dança. O texto estabelece o veto à realização de danças com coreografias "obscenas e pornográficas" em escolas públicas e privadas que promovam a "erotização precoce" de crianças e adolescentes.

A proposta do deputado Renan Contar (PL) foi aprovada no dia 17 deste mês, por 14 votos a 3. Agora, segue para sanção do governador Reinaldo Azambuja (PSDB).

"Esse projeto é envolto em censura, em falso moralismo; nosso desejo não é que a lei seja alterada, mas que seja vetada, ela não pode existir", disse o coordenador do Colegiado Municipal de Dança, Marcos Mattos.

O grupo, com mais de 2.000 integrantes no estado, representa artistas, grupos, companhias e escolas ligadas ao Plano Nacional de Cultura.

O projeto de Contar começou a tramitar em setembro de 2019, no mesmo período em que outras propostas, com textos muito similares, também foram apresentadas em Assembleias Legislativas de Pernambuco, São Paulo, Goiás e na Paraíba.

Na justificativa, o deputado diz que as escolas têm papel fundamental no "combate aos estímulos à erotização infantil" e que podem evitar qualquer música ou manifestações culturais que "aludam à prática de relação sexual ou ato libidinoso".

Também devem capacitar docentes e equipe pedagógica para implementar discussão e prevenção, envolvendo as famílias no debate.

Constam como justificativa, ainda, artigos do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que tratam do direito à proteção à vida de crianças e adolescentes, que não podem ser objeto de negligência, exploração ou omissão.

De 2019 até 2021, houve articulação contrária dos profissionais da área. A professora do curso de licenciatura em dança da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) Gabriela Salvador disse que o projeto foi retirado da pauta de votação por duas vezes, por meio de articulação de deputados contrários à proposta. "Desta vez, ficamos sabendo em cima da hora", afirmou.

A principal crítica dos profissionais é que o texto não especifica quais tipos de danças são consideradas obscenas e pornográficas, apenas as que "aludam à prática de relação sexual ou ato libidinoso".

Também estipula que qualquer pessoa, física ou jurídica, poderá denunciar à administração pública ou ao Ministério Público quando a lei for violada.

"Ele é muito amplo, genérico e subjetivo. Ao mesmo tempo que pode parecer tratar de alguns gêneros específicos, acaba atingindo qualquer gênero de dança. O que é movimento erotizado depende de cada um", explicou Gabriela.

O temor é o de que professores sejam criminalizados no ensino. "Ele [projeto] desmoraliza e desrespeita uma área de conhecimento que é a dança", afirmou a professora.

A prática faz parte da grade curricular das escolas municipais e de algumas estaduais dentro da disciplina de arte. São abordadas em aulas de história, percepção corporal, dança regional e composição coreográfica.

Na última terça-feira (22), uma nota de repúdio do grupo foi entregue ao secretário de estado de Gestão Estratégica, Eduardo Rocha, com motivos para que o projeto de lei seja vetado integralmente pelo governador.

A defensora pública Débora Maria de Souza Paulino, do Direito da Infância e Adolescência, acompanhou o grupo. Segundo ela, o projeto aprovado pode ser considerado inconstitucional.

"Já existem dispositivos que protegem as crianças no ECA, tem série de normativas que norteiam o trabalho da educação; quem tem competência nessa atuação é a União", disse Paulino.

Segundo a defensora, caso o projeto seja aprovado, a judicialização é caminho possível, com precedentes de julgamento pela inconstitucionalidade da proposta.

À reportagem, o deputado disse que o projeto surgiu a partir de vídeos e relatos de crianças realizando movimentos erotizados em ambiente escolar no país, provavelmente, gravados no intervalo, sem qualquer supervisão profissional.

"O que queremos combater são as deturpações e coreografias não condizentes com o ambiente escolar. Fora isso, permanecem mantidas e apoiadas todas as danças e manifestações culturais previstas. Quem ler o projeto verá que não há qualquer menção de estilos de danças ou músicas", afirmou.

Contar disse que o projeto tramitou por três anos, tendo tempo hábil para receber sugestões, manifestações e emendas. "Toda lei é passível de modernização. Nada impede que, futuramente, essa mesma lei possa sofrer alguma alteração, caso seja o entendimento do legislador. O diálogo permanece aberto e sempre será bem-vindo."

A assessoria do governo estadual disse que o documento recebido tem ofícios de universidades de Mato Grosso do Sul e de outros estados informando que matérias com o mesmo teor foram recusadas. A demanda foi encaminhada para a PGE (Procuradoria-Geral do Estado) e ainda está sob análise.

Fonte: Folha


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