domingo, 13 de fevereiro de 2022

CNJ julga procedente pedido de providências contra ato normativo que desativou Vara da Infância e da Juventude.


O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, por meio do projeto Crianças Invisíveis, atua em matérias que buscam dar cumprimento ao artigo 227 da Constituição Federal, notadamente com relação  ao princípio constitucional da  prioridade absoluta e do princípio do superior interesse da criança. Na esteira deste movimento, o Instituto protocolou o pedido de providências em desfavor de um ato normativo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul – TJMS, julgado nessa sexta-feira (11), pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ. O CNJ aprovou o pedido do IBDFAM por unanimidade de votos.
A ação, proposta em parceria com a Associação do Movimento de Apoio à Adoção do Estado do Rio de Janeiro – AMAR, pediu a suspensão imediata do Provimento 547/2021, que desativou a Vara da Infância e da Juventude da cidade de Dourados/MS. Entendimento é de que a norma viola o Provimento 36 do CNJ, que dispõe sobre a estrutura e procedimentos das Varas da Infância e Juventude.
Em seu voto, a conselheira relatora Tânia Regina Silva Reckziegel pontuou que o provimento gera situações de descumprimento de comandos constitucionais e legais a respeito do melhor interesse da criança e do adolescente, da prioridade absoluta e da proteção integral, que podem ser verificados no artigo 227 da CF/1988, na Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto n. 99.710/1990), bem como no Provimento n. 36/2014 da Corregedoria Nacional de Justiça e no Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme artigo 4º, parágrafo único, “d”, da Lei n. 8.069/1990.  
No pedido, o IBDFAM destaca que o provimento do CNJ, editado há sete anos, ainda é ignorado pelos tribunais pátrios. Ressalta que Dourados é a segunda maior comarca do Estado de Mato Grosso do Sul, contabilizando o total de 225.495 habitantes em 2022, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
“Enquanto o  CNJ apregoa a instalação de novas comarcas especializadas em infância, na contramão, o egrégio TJMS não instalou novas varas em  outras comarcas, como decidiu desativar a única existente na segunda maior cidade do Estado de Mato Grosso do Sul, determinando a remessa dos feitos com prioridade absoluta para a 7ª Vara Cível e  Execução Penal de Multa Condenatória Criminal. Não se deve descuidar que a Vara da Infância da Comarca de Dourados é responsável por um delicado tema em matéria de adoção: a adoção indígena. Aliás, os casos de crianças indígenas de Dourados, acolhidas institucionalmente, já foram objeto de denúncia na Organização das Nações Unidas –  ONU contra o Brasil”, diz um trecho do documento.
Prioridade absoluta
Em sua sustentação oral, a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, lembrou que a comarca de Dourados reúne peculiaridades atinentes às crianças da etnia indígena guarani-kaioá. Enfatizou também, a importância dessa vara no contexto estadual.
“Só havia duas varas especializadas em todo o Estado de MS. Uma na capital e outra em Dourados, onde os diversos casos complexos de medida de proteção e de destituição do poder familiar de crianças da etnia indígena guarani-kaioá precisam ser cuidados pelo Estado com prioridade absoluta. Aliás, o Brasil já foi representado na ONU por violação do direito dessas crianças. Tudo isso requer uma vara especializada, não sendo condizente com um vara que cumula competências múltiplas”, avalia a advogada.


Silvana explica que, entre as alterações trazidas pelo Provimento 116/2021, houve a substituição do termo “determinação” por “recomendação”, no artigo 1 do Provimento 36. A mudança, segundo ela, legitima a inércia. “Em resumo, se em 7 anos de determinação praticamente nada, ou absolutamente nada, foi implementado pelos Tribunais de Justiça do Brasil, com raríssimas exceções, com a recomendação foi dada legitimidade para a inércia dos tribunais.”

“Trazemos, como exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – TJRJ. Apenas na capital, a população estimada é de 6.775.561 habitantes, mas existem apenas 4 varas da Infância e da Juventude, que, inclusive, cumulam a competência para o idoso. Pelo provimento 36, o número de varas, já com a alteração para 1 vara a cada 200.000 habitantes, seria de 34 varas especializadas em Infância e Juventude”, observa a especialista.

Segundo a advogada, os Tribunais de Justiça alegam impedimentos orçamentários em razão da Lei de Responsabilidade Fiscal, “ignorando que a prioridade absoluta é princípio constitucional e, portanto, não subordinada à lei federal”. Ela destaca: “O que percebemos, e é inclusive a razão do Projeto Crianças Invisíveis do IBDFAM, é que crianças jamais foram galgadas a sujeitos de direitos pelo Estado, continuam coisificadas como objetos ‘de menor’, mesmo cerca de 32 anos depois da promulgação do ECA.”

“A desimportância desses sujeitos é notada a partir da não inclusão do ECA como matéria obrigatória dos cursos de Direito no país, da ausência de câmaras especializadas na matéria e até do desconhecimento que criança e adolescente é um ramo do Direito. A luta do IBDFAM é enorme, espinhosa, mas não podemos permitir que violações contra crianças e adolescentes se perpetuem pelo próprio Estado sem que nos posicionemos fortemente contra elas”, pontua a especialista.

Silvana conclui: “Damos voz a quem não pode falar, a quem não vota, não é economicamente ativo e está coberto sob o manto da invisibilidade social. Por fim, questionamos qual o futuro de um país que não cuida de suas crianças?”

Para o vice-presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, Fernando Moreira de Freitas, ressaltou a importância dessa decisão. “A decisão do CNJ foi muito importante para lembrar aos tribunais que questões orçamentárias não podem prejudicar a tutela de direitos fundamentais já conquistados, sobretudo de um público hipervulnerável, como são as crianças e os adolescentes. Em outras palavras, devemos avançar na criação de novas varas da infância e da juventude, mas jamais fechá-las em razão do princípio da vedação ao retrocesso dos direitos fundamentais”, disse.

Fonte: Instituto Brasileiro de Direito da Família

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