segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Projeto de lei amplia licença e cria salário-paternidade.


A presença dos pais na criação dos filhos é fundamental não só pelo suporte às mães, mas porque constrói um ambiente mais saudável para o desenvolvimento das crianças, direito garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Pensando nisso, os pais, assim como as mães, têm direito à licença após o nascimento dos filhos ou em casos de adoção, assegurado na Constituição Federal de 1988. Para as mulheres, a licença-maternidade é de, no mínimo, 120 dias, enquanto a licença-paternidade é de cinco dias, ambas remuneradas.

O prazo para os pais foi estabelecido de forma provisória, para que fosse regulamentado posteriormente. Em dezembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) estipulou que o Congresso Nacional criasse uma lei para isso no prazo de 18 meses, caso contrário, a decisão caberá ao STF. Assim, foi aprovado no mês passado, na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal, o Projeto de Lei (PL) 3.773/23, que amplia a licença-paternidade de modo gradual, podendo chegar a até 75 dias, e cria o salário-paternidade. O texto original é do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), mas foi aprovado na forma de substitutivo da senadora Damares Alves (Republicanos-DF). O PL segue, agora, para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.

Regulamentação
O texto original estabelecia 120 dias de licença-paternidade, mas o substitutivo propõe, nos primeiros dois anos de vigência da lei, benefício de 30 dias; no terceiro e quarto anos, 45 dias; e após quatro anos, 60 dias. Os prazos podem ser prorrogados em até 15 dias para empresas adeptas do Programa Empresa Cidadã. O salário-paternidade será pago pelos empregadores no valor da remuneração integral ou diretamente pela Previdência Social, em caso de adoção.

Para a senadora Damares Alves, relatora do PL, a mudança de 120 dias para uma ampliação gradual da licença-paternidade busca favorecer a transição da legislação atual, sem causar prejuízo aos cofres públicos. "Essa decisão foi para que o Brasil se adaptasse, porque existe uma previsão orçamentária de um ano para outro, para a Previdência e para o empregador. Além disso, o país precisa, primeiro, ter a cultura da licença-paternidade. Isso é importante para o retorno ao trabalho, para a saúde da mulher e para o fortalecimento de vínculos", declara.

O projeto também estabelece que a licença-paternidade pode ser parcelada em dois períodos. O primeiro deve ser tirado logo após o nascimento e com duração de pelo menos metade do tempo total de afastamento, e o segundo, até 180 dias após o nascimento ou a adoção. Um mês depois da licença, os pais ainda não podem ser demitidos sem justa causa. No caso de ausência da mãe no registro civil ou de adoção só pelo pai, a licença-paternidade será igual à licença-maternidade.  

Para a advogada especialista em regulatório e compliance de gênero Mariana Covre, o PL é essencial para a segurança familiar na criação dos filhos e para impulsionar carreiras, a produtividade no trabalho e a economia: "A família terá a segurança de que, na chegada de um filho, homem e mulher se dedicarão, nos primeiros dias, aos cuidados, podendo retornar ao fluxo de trabalho reorganizado com maior autonomia, segurança e produtividade", afirma.

Desigualdade
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, 53,3% das mulheres estavam inseridas no mercado de trabalho, em comparação com 73,2% dos homens. De acordo com pesquisa do Datafolha realizada em janeiro de 2023, com 1.042 mulheres de 126 municípios, 55% das mães brasileiras cuidam dos filhos sozinhas. O estudo também mostrou que, entre elas, a porcentagem que vive com renda mensal de até R$ 1.212 (44%) é significativamente superior à das mães casadas ou com companheiro (21%), evidenciando ainda mais a desigualdade de gênero.

De acordo com Mariana Covre, a falta de regulamentação da licença-paternidade prejudica a criação de vínculo com os filhos e mantém a sobrecarga sobre a mulher. A especialista, que atua na coalizão CoPai, espaço coletivo que impulsiona a licença-paternidade, defende que a legislação atual é ultrapassada e reforça uma visão que desresponsabiliza os homens no trabalho de cuidado.

"A falta de legislação específica marginaliza e nada incentiva a licença-paternidade, ainda tratada como 'falta remunerada', sem a segurança da Previdência Social. Isso se relaciona com a invisibilização estrutural da presença do homem em posição igualitária à da mulher, especialmente em relação ao cuidado com os filhos", expõe. 

Envolvimento 

Assessor de comunicação e servidor público, Lucas Nogueira, 22 anos, tem um filho de um ano e conta que divide igualmente as responsabilidades de cuidado com sua esposa, pois "já passou do tempo em que a mulher se desdobrava e o homem não pegava menino". Ele descreve uma dinâmica saudável na família, na qual fica com a criança, chamada Enzo, para que a companheira possa estudar. "Minha prioridade é ajudá-la para dar uma criação legal para o nosso filho, para que ela não fique sobrecarregada. Por isso, a gente é muito parceiro e divide as tarefas", relata.

Em seu trabalho, Lucas conseguiu tirar licença-paternidade de 10 dias, destacando que a ampliação do benefício vai proporcionar a divisão mais igualitária de tarefas entre mães e pais e fortalecer o vínculo com os filhos. "Eu acho justo porque é muito difícil uma mãe criar um filho sozinha. Isso vai facilitar a divisão das atividades, principalmente no primeiro mês de vida da criança, que é o mais difícil", narra.

Fabio Ferreira, 37 anos, é advogado e compartilha que, no seu caso, a rotina familiar mudou muito com a chegada da primeira filha, Melissa, hoje com um ano e nove meses. Para ele, o envolvimento dos pais é essencial, pois a criação de um recém-nascido não é "tarefa para apenas uma pessoa". 

Ele considera que a legislação atual é insuficiente, então emendou a licença-paternidade de cinco dias com as férias do trabalho, totalizando um mês em que pôde se dedicar, junto à esposa, aos cuidados com a bebê. "Cinco dias é muito pouco, porque, às vezes, nesse período, a família ainda nem voltou do hospital. Pelo menos no primeiro mês, é essencial estar junto. Não podemos cobrar uma maior presença do pai enquanto só oferecemos cinco dias de licença-paternidade", expõe Fabio.

Presença

Lucas pretende construir uma relação com seu filho baseada no respeito e na compreensão, por meio de "uma relação de amizade, em que a gente possa ser transparente um com o outro, valorizando a diversidade e a experiência de vida dele".

Para Fabio, que hoje trabalha home office, é "maravilhoso" poder passar mais tempo com a família: "A paternidade tem sido uma alegria diária. Ver minha filha crescer e descobrir o mundo é algo que não tem preço, o que uma licença-paternidade estendida amplificaria ainda mais". 

Fonte: Correio Braziliense

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