terça-feira, 20 de agosto de 2024

Especialistas cobram regulação e atuação de plataformas digitais para garantir proteção de crianças e adolescentes.

Especialistas cobraram a regulação das plataformas digitais e a atuação das empresas para garantir a proteção de crianças e adolescentes, em audiência sobre o uso de tecnologia e o excesso de telas por esse público na Câmara dos Deputados. O debate foi promovido pela  Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação nesta quarta-feira (14) a pedido da deputada Luisa Canziani (PSD-PR). 

Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, 95% da população de 9 a 17 anos é usuária de internet no país. Fundador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Cristiano Nabuco destacou que a média de tempo gasto na internet por dia, no mundo, é de 6h37, enquanto no Brasil a média é de 9h15, sendo 3h37 interagindo em redes sociais. Além disso, o pesquisador afirmou que o Brasil é o terceiro colocado no mundo em dependência de telas entre crianças. 

Os problemas causados pelo uso excessivo das telas incluem depressão, ansiedade, isolamento social e perda de memória recente, além de outros impactos cognitivos, como menor criatividade e prejuízos ao desenvolvimento da linguagem. 

Providências
De acordo com o médico, é preciso que, juntos, governo, organizações acadêmicas, especialistas em saúde pública e empresas estabeleçam padrões de uso saudável e seguro, adequados à idade, nas plataformas digitais.

Além disso, é preciso proteger as crianças de conteúdos nocivos – como postagens que incentivem transtornos alimentares, violência, abuso de substâncias, exploração sexual e suicídio.

Cristiano Nabuco defende ainda que as empresas compartilhem dados relevantes sobre o uso das redes por crianças e adolescentes. “Essas empresas de mídia precisariam urgentemente ser auditadas ou compartilhar de maneira clara esses dados que elas têm", cobrou.

"A grande pergunta que as publicações internacionais vão trazer é a seguinte: por qual razão a sociedade civil paga o preço da falta de transparência de uma política mais clara com relação a toda essa prática?”, questionou.

Uso qualificado
Diretora-Executiva do Instituto Alana, organização da sociedade civil em defesa das crianças, Isabella Vieira Henriques lembrou que o ambiente digital não foi criado para as crianças e que grande parte dos conteúdos consumidos por elas não são amigáveis ou sensíveis às peculiaridades delas.

Esses conteúdos, segundo ela, foram criados com base na economia da atenção – ou seja, foram criados justamente para prender a atenção do usuário – e com modelo de negócios baseado na exploração comercial de dados. 

Isabella citou dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023 mostrando que 88% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos que acessam a internet têm perfil em plataformas digitais, mesmo que os termos de uso limitem o acesso a maiores de 13 anos. 

 

 

Superexposição da infância
A diretora do Instituto Alana também chama a atenção para o fenômeno da superexposição da imagem de crianças e adolescentes por mães, pais e familiares, criando um rastro digital, que perdurará por muito tempo.

Outro impacto social lembrado pela diretora é o surgimento de influenciadores mirins, ou seja, o trabalho infantil artístico no ambiente digital, que ainda não é regulado.

Isabella Vieira destaca ainda que a idade do primeiro acesso à Internet por crianças brasileiras vem se antecipando nos últimos anos. Ainda de acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, 24% dos entrevistados relataram ter começado a se conectar à rede na primeira infância, ou seja, até os seis anos de vida. Na edição de 2015, essa proporção era de 11%.

Projetos de lei
Diretor-Fundador do Data Privacy Brasil e membro-titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados, Bruno Bioni citou algumas normas que hoje protegem as crianças e adolescentes na internet. Entre elas o Comentário Geral 25/21 do Comitê de Direitos das Crianças da ONU, que estabelece que a Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da criança também se aplica ao ambiente digital; e a recente resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que responsabiliza todos, inclusive empresas, pela proteção dos direitos de crianças e adolescentes em ambientes digitais.

No Parlamento, entre os projetos que podem fixar normas protetoras estão:

  • O PL 2628/22, do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que busca proteger crianças e adolescentes em ambientes digitais, como a criação de mecanismos para verificar a idade dos usuários;
  • O Projeto de Lei 2630/20, conhecido como PL das fake news, que prevê, entre outras medidas, o acesso a dados de como os algoritmos sociais funcionam. Esse texto foi aprovado no Senado e está em análise na Câmara desde 2020, com diversas propostas 
    apensadas;
  • O PL 2338/23, do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que regulamenta a inteligência artificial.  

Política de proteção
Representante da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Marta Volpi informou que o Conanda formulou um grupo de trabalho com participação de vários ministérios, secretarias do governo e entidades da sociedade civil justamente para formular uma política de proteção para as crianças no ambiente digital. 

Além disso, em outubro, segundo ela, o governo vai lançar um guia de proteção para o uso de telas para as famílias e escolas. Ela reitera, porém, que toda a legislação de proteção à criança já é aplicável à internet e chama a atenção para outro problema: a transferência das tarefas de cuidado para as telas, por conta da sobrecarga de trabalho das famílias e ausência de espaços de cuidado.

Recomendações
Coordenadora do Grupo de Trabalho Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Evelyn Eisenstein trouxe algumas recomendações para o uso de telas na infância e adolescência:

  • Até 3 anos de idade: sem telas;
  • De 3 a 5 anos de idade: uso com restrições e supervisão – por exemplo, desenhos animados acompanhados dos pais –, por 30 a 60 minutos por dia;
  • De 6 a 10 anos: desenhos animados, jogos on-line, vídeos apropriados de acordo com a classificação indicativa, por 1 a 2 horas por dia;
  • A partir de 13 anos: redes sociais. 

Segundo a pediatra, o principal problema é o uso prolongado das telas, ou seja, mais de 4 ou 5 horas por dia, o que pode levar à dependência digital, problemas de saúde mental, transtornos de déficit de atenção, hiperatividade e do sono, sedentarismo, problemas visuais, auditivos e posturais, riscos para o desenvolvimento da sexualidade, entre outros.

Ela ressaltou ainda para o risco de crianças participarem de jogos de desafios perigosos nas redes, como de asfixia e lesões, que podem ser fatais. 

“As empresas têm uma responsabilidade, uma vez denunciados esses influenciadores precisam ser não só bloqueados, como deletados”, concluiu. Entre as recomendações para a família, ela citou a desconexão antes da rotina de dormir, a restrição do uso durante atividades escolares e estímulos para o brincar sem celular. Ela recomenda também que os pais sejam um modelo de desconexão para os filhos. 

“O aprendizado da criança se dá pela repetição”, reiterou a coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Renata Mielli. Ela enfatizou ainda a necessidade de investimento em equipamentos públicos (quadras de esporte, por exemplo) para propiciar alternativas de lazer para as crianças, e do investimento em escolas de tempo integral. 

Exposição à propaganda
Na avaliação da coordenadora do CGI, um dos grandes problemas da presença massiva das crianças nas redes sociais é a exposição ilegal à publicidade e propaganda. A publicidade direcionada a esse público já é proibida pela legislação brasileira.

Segundo ela, é preciso regular as redes para proibir de fato que crianças menores de 13 anos criem perfis, e promover campanhas públicas para orientar as famílias. 

De acordo com Renata Mielli, apenas 28% dos pais possuem algum dispositivo de controle parental – que são aplicativos para controlar o que a criança faz na internet. 

Visão das empresas
Representantes das plataformas digitais garantiram que buscam promover um ambiente seguro para crianças e adolescentes e, para isso, consultam especialistas e promovem pesquisas com os adolescentes e seus pais.

Todas asseguraram que removem conteúdos lesivos aos direitos das crianças e adolescentes, como de sexualização de menores, e os relativos a suicídio, mutilação e distúrbios alimentares. Isso é feito a partir de denúncias e principalmente por meio da inteligência artificial, com revisores humanos. 

Gerente de Políticas Públicas para Segurança e Bem-estar da Meta no Brasil, Tais Nigginegger acrescentou que a plataforma disponibiliza ferramentas de supervisão para os pais, por meio das quais podem, por exemplo, ver quanto tempo o adolescente passou na plataforma e definir limites, visualizar quem o filho segue nas redes e se as configurações de privacidade foram alteradas.

Ela informou ainda que a empresa vem aprimorando as ferramentas para verificar a idade do usuário.  A Meta é responsável pelas redes sociais Facebook, Instagram e WhatsApp. 

Gerente de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Youtube no Brasil, Alana Rizzo acrescentou que a empresa não veicula anúncios personalizados para menores de 18 anos e que a família pode personalizar a experiência.

Gerente de Políticas Públicas do TikTok no Brasil, Gustavo Rodrigues também informou que a plataforma disponibiliza ferramenta de sincronização familiar, o que permite aos pais vincular a sua conta ao do filho adolescente e definir controles. Segundo ele, para todas as contas abaixo de 18 anos, o tempo diário de tela é de 60 minutos e, quando esse tempo é atingido, o adolescente só consegue continuar mediante a inserção de uma senha definida pela família. Além disso, para as contas abaixo de 16 anos, apenas amigos podem comentar nos vídeos e não podem ser enviadas e recebidas mensagens diretas. 

Diretora de Relações Institucionais e Governamentais da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames), Raquel Gontijo, por sua vez, salientou que a tecnologia já faz parte do cotidiano das crianças e dos jovens e é preciso promover o uso saudável e seguro, levando em conta não apenas o tempo de tela, mas a qualidade do uso, além de construir uma regulamentação equilibrada. 

Fonte: Agência Câmara de Notícias

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