O Dia da Religião e do Combate à Intolerância Religiosa é celebrado neste domingo (21). A data, instituída em 2007, é uma homenagem à Iyalorixá Mãe Gilda, fundadora do terreiro de Candomblé Ilê Axé Abassá de Ogum, na Bahia, que enfartou e morreu, em 1999, após ser vítima de ataques de ódio e desrespeito.
O que é religião❓
Para o doutorando em educação e professor de teologia e filosofia na Universidade Católica de Brasília, Gidalti Guedes, independentemente do ser humano crer ou não crer, a religião – ou a experiência religiosa – faz parte da constituição do ser humano.
"A religião é um fenômeno sociocultural intersubjetivo, onde indivíduos cultivam cada qual sua espiritualidade, mas tendo por objeto a crença na mesma divindade, nos mesmos símbolos, ritos, doutrinas, cosmovisão e mesmo código moral" , diz o teólogo
Em seus estudos, a partir da filosofia e da psicologia da religião, o professor construiu um conceito de espiritualidade. Segundo Gidalti Guedes, a espiritualidade é uma dimensão constituinte da subjetividade humana, que se desenvolve por meio da capacidade de crer das pessoas, em resposta ao desejo de transcendência e na busca por significado e sentido para a vida.
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"A espiritualidade é uma experiência subjetiva do indivíduo, mas quando ele se propõe a eleger como sagrado os mesmos elementos que outros indivíduos [...] , nesse momento nasce a experiência religiosa, como uma experiência intersubjetiva", aponta Guedes.
Em sua análise, o pesquisador afirma que a espiritualidade é algo que todo o ser humano tem e não há importância se ele é ateu ou se possui qualquer religião. Para ele, a espiritualidade é uma forma de cultivar a fé, e ela é um dado antropológico.
Para o doutor em Estudos Orientais e Teologia pela Universidade de Oxford, Vicente Dobroruka, a religião é o conjunto de elementos culturais/simbólicos, que remetem a algum conceito de que o ser humano dispõe para "se entender" com os grandes temas da existência. Esses temas são, por definição, "misteriosos", e carecem de respostas que possam ser dadas pela natureza apenas.
"O ser humano não é só natureza, é também cultura e a religião é uma forma de entender o mundo em sentido amplo e de entender a si próprio", diz Dobroruka.
" Certas religiões podem enfatizar a 'iluminação pessoal', outras a ascese [desenvolvimento espiritual], outras ainda a magia. Mas, em todos os casos, trata-se de dar ao ser humano uma orientação acima do natural – daí 'sobrenatural' – quanto ao modo de se localizar e se entender no mundo" , diz o pesquisador.
A importância da religião e da experiência religiosa para o ser humano 🛐
Vicente Dobroruka enfatiza que sem a religião, o ser humano não teria tido as mínimas "bússolas" para se orientar no mundo. Para ele, o argumento de que o ser humano não necessita de religião para fazer o que é certo é falacioso, pois "ele acabará recorrendo a algum expediente metafísico para validar sua conduta".
"O ateu convicto e confesso não apenas reforça a ideia de religião [ao se posicionar contra ela], como também tem um conjunto de ideias metafísicas, conscientes ou não, que guiam sua conduta" diz Dobroruka.
O doutor em Estudos Orientais e Teologia Vicente Dobroruka aponta também que o argumento de que a religião seria uma "muleta da qual os sadios não dependem" é enganoso. Para ele, a vida norteada por esta ou aquela religião tende a ser vivida com mais facilidade e talvez, com mais felicidade, de modo geral.
Para o teólogo e professor Gidalti Guedes, a religião é um dos principais, se não o principal elemento, a principal experiência construtora de sentido para a vida, propósito, e significado para a nossa existência enquanto seres humanos.
"Essa construção de sentido, é algo muito importante, inclusive para a saúde. Existem práticas religiosas patogênicas e existem práticas religiosas salutíferas", diz Guedes.
Para ele, as pessoas que cultivam uma experiência religiosa possuem um sentido de vida mais fortalecido e solidificado, "possuem mais resiliência e são mais preparadas para enfrentar as contradições e os dilemas da vida", afirma.
A religião dos brasileiros📿🕍🕌✝️
Os dados do Censo 2022 do IBGE sobre religião ainda não foram divulgados. Em 2010, o Censo mostrou que a maioria dos brasileiros se declarava católico:
- Católica Apostólica Romana: 123.280.172 praticantes
- Umbanda e Candomblé: 588.797 praticantes
- Protestante: 42.275.440 praticantes
- Espirítismo: 3.848.876 praticantes
- Budismo: 243.966 praticantes
- Judaísmo: 107.329 praticantes
- Sem religião: 615.096 pessoas
Já uma pesquisa realizada pelo DataFolha em 2020 apontou que 50% dos brasileiros são católicos, 31%, evangélicos, e 10% não têm religião. Ainda de acordo com o levantamento, as mulheres representam 58% dos evangélicos e são 51% entre os católicos:
- Católicos: 50%
- Evangélicos: 31%
- Não tem religião: 10%
- Espírita: 3%
- Umbanda, candomblé ou outras religiões afro-brasileiras: 2%
- Ateu: 1%
- Judaica: 0,3%
Segundo o professor Gidalti Guedes, as causas que podem ter contribuído para o aumento de ocorrências de intolerância religiosa podem ser a globalização cultural, o sentimento de ameaça de grupos religiosos frente a pluralidade religiosa do mundo contemporâneo e a instrumentalização de instituições e grupos religiosos para projetos de poder.
"Com a democratização da informação, o acesso a conhecimentos de toda sorte deu às pessoas essa possibilidade de conhecer o diferente [...] Existem hoje em dia lideranças religiosas que o seu maior impacto não está na comunidade local, física, presencial, mas sim na internet", avalia.
Em relação às forças políticas utilizarem lideranças religiosas para defender postulados ideológicos específicos, sem dar liberdade e autonomia política para os membros e os integrantes de tal religião, Guedes ressalta que isso são janelas para que o extremismo, o fundamentalismo, e a intolerância ganhem proporções devido a instrumentalização das instituições religiosas para projetos de poder.
"A essência do discurso deixa de ser da reconciliação, da solidariedade, e se torna o discurso do conflito religioso", alerta o professor.
Como denunciar a intolerância religiosa 📞
É possível denunciar casos de intolerância religiosa pelo Disque 100 e pelos canais de comunicação do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
No Distrito Federal, os registros podem ser feitos em qualquer delegacia, ou na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin-DF).
A delegada Cyntia Carvalho e Silva lembra que a lei nº14.532/2023 trouxe diversas mudanças em relação a discriminação religiosa no Brasil.
"Quando a pessoa direciona o xingamento para uma pessoa em específico numa discussão – como por exemplo, você é macumbeira, você é crente – e com isso quer afetá-la com uma característica que ele tem e ofender a sua moral, [nesse caso] temos uma injúria qualificada, pena que está prevista no código penal que pode chegar de um a três anos de reclusão e multa" diz a delegada.
A policial explica que em relação aos crimes cometidos contra grupos religiosos, eles possuem a mesma pena e são inafiançáveis, pois nestes casos se qualificam como um crime de racismo. As penas também podem ser aumentadas nos casos de crimes cometidos contra grupos por meio de redes sociais, e cometidos por funcionários públicos no exercício da profissão, podendo chegar de dois a cinco anos de reclusão e multa.
O diálogo é cada vez mais necessário 🤲🏽
Gidalti Guedes aponta que o "diálogo interreligioso" é uma das principais possibilidades, ferramentas e estratégias para superar os discursos de intolerância religiosa. Para ele, os encontros interreligiosos não são a mistura das religiões, mas sim uma forma de respeito e conhecimento.
"O diálogo acontece quando eu continuo tendo a minha fé, você continua tendo da sua fé, e as pessoas respeitam a fé umas das outras. Assim, elas se permitem dialogar, conhecer o outro com uma atitude empática, de respeito profundo, pelo direito do outro ser diferente e isso é fundamental", diz o teólogo.
Para ele, é preciso valorizar o diálogo como construtor de pontes, e não o discurso fundamentalista e intolerante. O pesquisador afirma que as práticas religiosas não deixarão de existir, porque ela tem origem numa necessidade que é do próprio ser humano.
"A experiência religiosa é um dado antropológico e sempre existirá. Nós precisamos ter muita sabedoria no cultivo dessa nossa espiritualidade, nos grupos religiosos, na religião. É preciso ter um reencontro de uma experiência mais profunda de religião, que não é a experiência de uma religião instrumentalizada", afirma.
Já o professor Vicente Dobroruka explica que dizer que Deus ou ou deuses são "criações" do homem é irrelevante e desnecessário. "Tudo aquilo que permite que o ser humano se relacione culturalmente com o meio é criação sua. Outra coisa é como cada um lida com a eficácia efetiva desta ou daquela crença".
Fonte: G1
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