domingo, 8 de outubro de 2023

Conselho tutelar: pastores pediram votos dentro de igrejas, prática proibida por lei.


“Algumas igrejas do interior têm a sua conselheira, não diferente de nós, que temos a irmã Suelen”, disse o pastor Hernani Borges durante um culto em 10 de setembro na Igreja Batista Imperial em Células, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. A referência a uma fiel da congregação que se candidatara à reeleição para uma vaga no Conselho Tutelar da cidade ocorreu menos de um mês antes da votação, realizada no último domingo. Abordagens como a do religioso — um pedido de voto feito do púlpito de um templo, portanto, proibido — foram identificadas pelo GLOBO em igrejas evangélicas espalhadas pelo país durante a campanha para o órgão.

Diferentemente de uma eleição promovida pela Justiça Eleitoral, a disputa para o Conselho Tutelar tem normas determinadas pela Comissão Especial dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. E fazer “propaganda em igrejas e templos de qualquer denominação religiosa” durante o período de campanha, é expressamente vedado.

Apesar da legislação, a igreja em questão atuou firmemente para eleger Suelen Leme Serrano, que conquistou uma vaga no conselho após receber 384 votos. Além de Hernani Borges, o pastor Henrique Finotto tentou sensibilizar a comunidade evangélica em torno da eleição dela.

— Quero apresentar a irmã Suelen, que é conselheira tutelar e precisa do nosso voto no dia 1º de outubro para continuar. A irmã Suelen é líder de célula infantil e é membro da Igreja Batista Imperial. (...) Agora, irmão, chegou o momento de ela continuar — disse o líder religioso em 17 de setembro.

Para além da atuação dos pastores, a Igreja Batista Imperial no estado preparou vídeos sobre a importância de se votar na eleição; as imagens eram veiculadas em todas as celebrações, e o conteúdo reforçava a necessidade de se eleger evangélicos para o conselho tutelar:

— Não deixe de exercer o seu direito. Vote consciente em alguém que tenha princípios cristãos e que valorize a garantia dos direitos das nossas crianças e adolescentes — diz um repórter da igreja em um dos vídeos mais exibidos nas celebrações.

Santinho e número
O movimento de “conscientização” também foi propagado pela Igreja Universal do Reino de Deus. Antes do pleito, a vertente protestante divulgou três reportagens em seu periódico semanal sobre a função dos conselhos tutelares no país.

Em igrejas do estado do Rio, o pedido de votos acompanhou outros recursos, como distribuição de santinhos e postagens em redes sociais. Na Assembleia de Deus de Bonsucesso, agremiação liderada pelo pastor Jaime Soares, o material de campanha de dois candidatos da região foi exibido em projeção durante um culto que ocorreu em 24 de setembro.

— Tem a questão da eleição do Conselho Tutelar. Pastor Jader estava aqui e, meus irmãos, no próximo domingo, nós temos eleição. É algo muito importante, você não pode ficar de fora. Se você é dessa área aqui, esses nossos dois irmãos têm sido bênção para nós, para a igreja, para as crianças — diz o pastor enquanto a imagem de Pastor Jader e Sol, ambos eleitos em Bonsucesso, é projetada.

Em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, também houve campanha, mas a estratégia não surtiu efeito. Juliana de Melo Silva Sales teve o apoio da Assembleia de Deus Rocha, mas não foi eleita. Em 24 de setembro, o pastor André Caciano fez um apelo aos fiéis.

— Irmãos, nós estamos com a nossa irmã Juliana Melo. (...) Ela é candidata ao Conselho Tutelar na próxima eleição de domingo (...) Nós estamos percorrendo algumas igrejas, seu número é 139, é só lembrar do Salmo 139 (...) Estamos neste momento no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma luta tão grande contra a vida (...) e nós precisamos de pessoas que têm como base a fé e a família e o compromisso com a vida.

O apoio em púlpito se repetiu nas redes sociais, o que é permitido. No Instagram da congregação de Jardim Coelho da Assembleia de Deus Colubandê, Juliana ganhou um post para a sua campanha: “Paz do Senhor, irmãos! Vocês já se prepararam para as eleições do conselho tutelar da nossa cidade?" Nossa irmã Juliana Melo, é nossa representante. Vote 139”.

Ao terem seus nomes associados a infrações de normas das Comissões Especiais de cada Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, os candidatos — durante a campanha ou mesmo depois de eleitos — correm o risco de serem denunciados ao CMDCA. O órgão é auxiliado pelo Ministério Público na fiscalização do cumprimento das normas. As comissões analisam e deliberam os recursos, e o mandato do conselheiro eleito pode, em última instância, ser impugnado.

Fonte: O Globo

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