segunda-feira, 26 de junho de 2023

A aposta da justiça restaurativa para evitar violência em escolas.


Um círculo de diálogo, em que se coloca pessoas frente a frente para falar de seus sentimentos e resolver conflitos. Pode parecer prática religiosa ou terapêutica, mas não é isso. Trata-se de uma atividade relativa à justiça restaurativa, abordagem que nasceu no sistema judiciário, mas que tem encontrado caminhos principalmente na educação, especialmente em tempos em que ameaças de violência e insegurança pairam sobre as escolas.

A aplicabilidade em escolas vem mostrando resultados positivos Brasil afora, com cases pioneiros no Paraná, e é foco do Ministério da Educação (MEC) para implantação formal em instituições de ensino de todo o país. O movimento ganhou força depois dos ataques envolvendo escolas este ano - o último deles, em Cambé, Norte do Paraná, que deixou dois adolescentes mortos no início desta semana.

A justiça restaurativa é uma abordagem que muda a perspectiva sobre crime e conflito. Em vez de focar na punição, ela busca a reparação do dano causado. Pode ser uma alternativa em casos de menor potencial ofensivo, por exemplo, ou quando o acusado se compromete a cumprir medidas que possam suspender o processo penal. Mas isso não quer dizer que é necessariamente substitutiva a ele. A ideia central é que ela se aplique antes do crime acontecer, ou como alternativa complementar ao trâmite judicial.

O que a modalidade busca é uma mudança de foco e resolução da causa-raiz do conflito, estabelecendo diálogos mediados entre as partes envolvidas. “Nesse modelo, a figura da vítima ganha importância central, diferentemente do processo tradicional em que ela é mais uma testemunha. A justiça restaurativa permite identificar múltiplos responsáveis e entender as repercussões complexas nos prejudicados, como a comunidade e a sociedade como um todo”, explica Leoberto Brancher, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, membro do Comitê de Justiça Restaurativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e um dos precursores do tema no Brasil.

Dependendo da gravidade dos casos tratados, acordos extrajudiciais podem ser realizados adotando o modelo, especialmente em casos envolvendo menores, o que é permitido pela legislação desde a década de 1990, a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90). Já com adultos, a justiça restaurativa deu um passo adiante a partir dos acordos de não-persecução penal, inseridos no artigo 28-A no Código de Processo Penal, pela Lei 13.694/2019.

Como a prática se difundiu

A forma como a justiça restaurativa é instituída varia país a país, conforme abordagens e legislações próprias. O tema, em si, não é novo. Remonta à década de 1970 e é aplicado com sucesso em países como Nova Zelândia e Canadá especialmente desde a década de 1990.

No caso do Brasil, começou a ser impulsionado pelo Judiciário, nos idos de 2005, quando alguns projetos-piloto foram desenvolvidos especialmente nos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo. “Esses programas focaram na área da infância e juventude, o que aproximou a prática restaurativa da educação”, conta o desembargador.

Desde então, varas que já trabalhavam em integração comunitária passaram a propagar a justiça restaurativa pelo país e o modelo foi formalmente adotado pelo CNJ em 2016, por meio de uma resolução que estabelece a organização de políticas estaduais de justiça restaurativa pelos tribunais.

E foi aí que se identificou que, o que funcionava na esfera judicial, poderia dar frutos nas escolas. Em junho de 2022, uma nova resolução do CNJ estabeleceu o apoio à justiça restaurativa nas instituições de ensino como parte da política nacional, por meio das varas de infância e de núcleos restaurativos instituídos nos municípios. E, depois, o Conselho Nacional de Justiça instituiu 2023 como o Ano da Justiça Restaurativa na Educação, com uma intensa campanha para implementar a abordagem em meio à crise educacional pós-pandemia.

O ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou em abril que o MEC estuda a implantação de um programa que instituirá os círculos de paz nas escolas, prática relativa à justiça restaurativa (veja abaixo). A medida veio dias depois dos ataques a uma creche de Blumenau, que deixou quatro crianças mortas, no início de abril, e a uma escola em São Paulo, quando uma professora foi assassinada, no final de março. E promete ganhar mais visibilidade após o ataque à escola Helena Kolody, de Cambé, neste mês de junho.

Fonte: Gazeta do Povo


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