quinta-feira, 30 de março de 2023

DO PROCESSO DE ESCOLHA PARA OS MEMBROS DO CONSELHO TUTELAR: “DA CONSTITUIÇAO FEDERAL, DO ESTATUTO, DA LEI FEDERAL Nº 95/98, DO DIREITO ADMINISTRATIVO, DAS RESOLUÇÕES E DOS DESATINOS. ”


“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades." Arendt, 2001.

 Vimos pelo presente, propor reflexão quanto ao processo de escolha para os membros do Conselho Tutelar, (nunca eleição). Cientes de que, mesmo com 32 anos de vigência da Lei Federal nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda carecemos de cuidados constantes quanto ao enunciado da lei quando tratarmos do tema Conselho Tutelar.
 Isto posto, é importante que não descuidemos do enunciado no Decreto lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), em seu artigo 3º:

   “Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”

 Neste diapasão, é necessário que estejamos atentos aos comandos de nossa Carta Magna, quando nos referimos ao princípio da legalidade na administração pública (CF, art. 37), bem como quanto as prerrogativas do município para regulamentar a legislação federal, e ao que está estabelecido para o processo legislativo em nosso país (art. 59, CF).
 Isto posto, evidenciamos em nossa constituição federal em seus artigos 30 e 37 os seguintes enunciados:
“Art. 30. Compete aos Municípios: 
I – legislar sobre assuntos de interesse local; 
II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
(...)
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: “(Destaque nosso).

 Considerando que o Direito Administrativo Brasileiro, sintetiza-se como o conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado. Assim sendo, resta que a administração Pública em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para a consecução dos objetivos do Governo. Em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral. Em sentido operacional, é o desempenho contínuo e sistemático, legal e técnico dos serviços próprios do Estado ou por eles assumidos em benefício da coletividade.  

Quanto ao princípio da legalidade, citamos: 
   
“O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação." (Destaque nosso).
                    Diógenes Gasparini - 2012. 

 Resta cristalino que os Municípios possuem a chamada competência suplementar (art. 30, II), ou seja, o legislador municipal pode complementar a legislação federal e a estadual para ajustar sua execução às peculiaridades locais, desde que não contrarie as normas federais ou estaduais e esteja de acordo com o requisito da repartição de competências desse ente federativo.
 Vejamos então, como se dá o rito do processo legislativo conforme enuncia o art. 59 da nossa magna:
“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I - emendas à Constituição;

II - leis complementares;

III - leis ordinárias;

IV - leis delegadas;

V - medidas provisórias;

VI - decretos legislativos;     

VII - resoluções.” (Destaque nosso).

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 Neste sentido, quanto do rito para o processo legislativo, corrobora a Lei Federal de nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. de nº 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos. E aqui, citamos o seu art. de nº 7º, IV, para melhor aclarar a competência suplementar do ente município.

“Art. 7o - O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:
(...)
IV - o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.” (Destaque nosso).

 
Diante do observado acima, é imperioso que respeitemos o comando emanado da Lei Federal nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, a qual denominaremos de lei “básica”, especificamente em seu artigo de nº 139 (título V do Livro II): 

“Art. 139. O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização do Ministério Público. (Redação dada pela Lei nº 8.242, de 12.10.1991).”  (Destaque nosso).

               Em suma, considerando que a lei básica (Estatuto), remete ao ente município o papel de “estabelecer” em lei ordinária o processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar, valendo-se de prerrogativa consagrada no artigo 30 da CF; resta o questionamento, que papel legal cabe neste processo, às resoluções emanadas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente/Conanda?
 Para tratarmos desta questão, é importante que conheçamos o papel das resoluções, já que as mesmas, constam do processo legislativo em nosso pais, como já observamos acima, ao tratarmos do artigo de nº 59 da nossa Constituição Federal.
 Das Resoluções, segundo o Direito Administrativo:
“Resoluções são atos administrativos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo Chefe do executivo, que só deve expedir decretos) ou pelos presidentes de tribunais, órgão legislativos e colegiados administrativos, para disciplinar matéria de sua competência específica.”  (Destaque nosso).
(Hely Lopes Meirelles – Direito Administrativo Brasileiro, 33ª Edição/Malheiros Editores/2007).

 Os especialistas assinalam que as resoluções administrativas são determinadas para que os serviços públicos cumpram com as funções que são estipuladas através da legislação. Aquilo que faz a resolução administrativa é detalhar, desenvolver ou complementar aquilo que é estipulado por lei, nunca contradizendo-a. Outro aspecto importante a se destacar é que, algumas resoluções tem caráter vinculante (força impositiva inclusive para terceiros), e outras, são meramente atos discricionários, sem força vinculante para terceiros.
 A título de exemplo da capacidade vinculante de uma resolução, observemos a lei federal nº 8.742 de 7 de dezembro de 1993, em seu artigo 7º (Lei orgânica da Assistência Social):

“Art. 7º As ações de assistência social, no âmbito das entidades e organizações de assistência social, observarão as normas expedidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de que trata o art. 17 desta lei.”  (Destaque nosso).

 Como já comentamos, a força vinculante para as resoluções é consagrada por comando legal, que deverá ser claro e cristalino, como evidenciamos acima. Isto posto, recordemos que, o Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece de forma inquestionável, que o processo de escolha para os membros do Conselho Tutelar deverá ser estabelecido em lei municipal (art. 139), não há então, que se cogitar expedição de resoluções tidas como vinculantes de quem quer que seja para estabelecer regras e condições para o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar.
 Com todo o respeito que o Conanda é destinatário, cabe lembrarmos, que a matéria Conselho Tutelar (título V do livro II), não consta das atribuições de tal colegiado, segundo a lei federal nº 8.742 de 12 de dezembro de 1991. Lembrando ainda, que o Conanda, consta do título I do livro II do Estatuto, não cabendo, mesmo que na condição de conselho nacional, tratar de matéria do título V do livro II – Conselho Tutelar, pois assim emana o art. 259 do Estatuto da Criança e do Adolescente, assinalando como competência da união, claro, salvo o que o próprio estatuto, lei básica, atribuiu ao ente município, por capacidade suplementar prevista no artigo 30 da CF, a prerrogativa de tratar em lei, da matéria do supramencionado título V do livro II, que é direcionado ao Conselho Tutelar

Art. 259. A União, no prazo de noventa dias contados da publicação deste Estatuto, elaborará projeto de lei dispondo sobre a criação ou adaptação de seus órgãos às diretrizes da política de atendimento fixadas no art. 88 e ao que estabelece o Título V do Livro II.  (Destaque nosso).

 Concluímos então que, o Conanda, pode sim, emanar resoluções que orientem ou façam sugestões à organização do funcionamento do sistema de garantia dos direitos, a exemplo da resolução de nº 113 de 19 de abril de 2006. Porém sem invadir a autonomia do ente município, causando assim uma antinomia jurídica desnecessária e muitas vezes danosa. 
É imperioso o respeito a devida reserva legal, com o fito de evitar o que bem coloca Florestam Fernandes, quando trata do binômio da força do argumento versus o argumento da força.
 E por fim, com o intuito de que evitemos tais incongruências, recordemos citação de Dom Helder Câmara em sua singular sapiência:  
“Ótimo que tua mão ajude o voo, mas jamais que ela se atreva a tomar lugar das asas!” 

Natal(RN), 28.03.2023.

George Luís Bonifácio de Sousa
Militante na área dos Direitos Humanos, instrutor, pesquisador e escritor na área do direito da criança.
Contato (84) 999985873



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