segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

A relação entre os alimentos ultraprocessados e o câncer.


No tempo dos nossos avós, as pessoas frequentemente se deslocavam para trabalhar – iam a pé, de bicicleta, bonde ou ônibus – e costumavam comer em casa. A alimentação contava com frutas, vegetais e cereais, e doces eram feitos dentro do próprio lar. Enquanto isso, a oferta de industrializados era escassa.

Hoje, por outro lado, é o tempo de profissões com atividades sedentárias, seja em escritórios ou home office. Para se deslocar, as pessoas recorrem aos carros. Ao chegar em casa, sentam no sofá, diante da televisão. O pouco tempo para comer leva à escolha recorrente de alimentos ultraprocessados – que não demandam tempo de preparo. Muitas vezes, o prato chega na garupa de um motoboy, após alguns cliques no celular.

Considerando ainda o preço e a inflação de alimentos frescos, com a logística mais complexa de produção-transporte-aquisição, comer saudável pode ser um enorme desafio para grande parte da população.

Para enriquecer essa conversa, é importante entender que os alimentos são classificados de acordo com a sua composição e, a partir daí, separados em quatro grupos. Veja:

In natura

São aqueles obtidos diretamente de plantas ou animais. Eles não sofrem nenhuma alteração após deixar a natureza. Maximizam nossa ingestão de nutrientes.

Entram aqui frutas, verduras, legumes e tubérculos e produtos animais, como ovos, leite, músculos, vísceras.

Minimamente processados

São submetidos a processos de limpeza, remoção de partes não comestíveis, moagem, fermentação, pasteurização, congelamento e processos similares – mas que não envolvem agregação de sal, açúcar, óleos, gorduras ou outras substâncias ao alimento original.

A depender do processamento, podem preservar parte das vitaminas e nutrientes essenciais.

Arroz e feijão são bons exemplos.

Processados

A indústria adiciona sal, açúcar ou outra substância de uso culinário a alimentos in natura para torná-los duráveis e mais agradáveis ao paladar.
Processar alimentos simplifica a vida porque prolonga a validade, elimina bactérias, preserva a textura e garante outras propriedades dos alimentos. Mas também traz a desvantagem da destruição de grande parte dos nutrientes essenciais.

Dá para citar as compotas de frutas, peixes em conserva e carnes salgadas ou defumadas.

Ultraprocessados

São formulações industriais feitas inteiramente ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos (óleos, gorduras, açúcar, amido, proteínas), derivadas de constituintes de alimentos (gorduras hidrogenadas, amido modificado) ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas como petróleo e carvão.

Corantes, aromatizantes, realçadores de sabor e vários tipos de aditivos são usados para dotar os produtos de propriedades sensoriais atraentes.

Favorecem apresentações variadas nas cores, nas texturas e nos aromas dos alimentos. Além disso, facilitam o preparo.

Mas tem uma relação muito desfavorável de calorias/nutrientes essenciais. O processamento pode adicionar elementos químicos, como conservantes associados ao risco de câncer.

Como esse é o tema do nosso artigo, vamos explorar mais esse grupo.

Até porque, com o preço cada vez mais acessível, ele tem invadido nossas vidas com a promessa de conveniência e agilidade. Mas, junto a isso, traz excesso de calorias, gorduras e açúcar.

Para ter ideia, os ultraprocessados já representam mais de 50% da ingestão calórica dos indivíduos na Inglaterra e nos Estados Unidos.

Para que não reste dúvida sobre essa participação expressiva em nosso dia a dia, segue uma lista exemplificativa de alimentos pertencentes a essa categoria de alto risco para o câncer e outras doenças:

Produtos congelados pronto pra aquecer e comer
Macarrão e sopas instantâneas
Pão de forma
Hambúrguer, salsichas, mortadela, nuggets de frango
Salgadinhos de pacote
Misturas para bolo
Biscoitos
Balas
Sorvete 
Barras de cereal 
Cereal matinal açucarado
Sucos adoçados
Refrigerantes
Refrescos
Bebidas energéticas
Iogurtes e bebidas lácteas adoçadas e aromatizadas
Os impactos no organismo

Esses alimentos modificam nossa flora intestinal, matam nossas bactérias do bem, causam inflamação crônica no trato gastrointestinal, desregulam nosso metabolismo, oferecem mais calorias diárias do que precisamos (aumentando o risco de obesidade) e sobrecarregam alguns dos nossos órgãos que, dessa forma, podem entrar em falência precocemente.

O que você come quando jovem afeta sua longevidade e o bem-estar na terceira idade.

A obesidade e as alterações metabólicas, somadas ao sedentarismo da vida moderna, têm forte associação com o câncer.

Esperamos, no mundo, um aumento superior a 40% nos casos de câncer até 2040. Perto de 50% desses casos são preveníveis, porque estão associados a fatores evitáveis – como o sedentarismo e uma dieta menos ultraprocessada.

Temos visto casos de câncer acontecendo em pacientes cada vez mais jovens e a participação dos ultraprocessados na rotina desde os primeiros anos de vida já está reconhecido como um fator relevante.

Um recente estudo, com participação da pesquisadora brasileira Fernanda Rauber, da Escola de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, avaliou o efeito de alimentos ultraprocessados na incidência e mortalidade de 34 tipos de câncer diferentes.

Essa pesquisa se baseou em dados coletados prospectivamente, entre 2007 e 2010, sobre a alimentação de 500 mil indivíduos entre 40 e 69 anos, na Inglaterra.

Ficou claro que quanto maior o consumo de quanto maior o consumo de ultraprocessados, maior o risco de câncer – sendo que, nesse estudo, o maior risco foi de câncer de ovário.

A alta ingestão de ultraprocessados aumentou em 7% o risco de câncer em geral, em 25% o risco de câncer de pulmão, em 52% o risco de câncer de cérebro e em 63% o risco de linfoma, quando comparados com indivíduos com baixa ingestão.

A cada 10 pontos percentuais de crescimento no consumo de ultraprocessados, maior a mortalidade por câncer em geral (6%), em especial por câncer de mama (16%) e ovário (30%)

Outros estudos já mostraram uma relação do tipo com câncer de intestino, estômago, fígado e útero.

Como mudar esse padrão

Não ingerir alimentos in natura leva à falta de uma série de micronutrientes, como vitaminas e minerais, necessários ao metabolismo. Em resumo, eles proporcionam as condições adequadas para o bem-estar físico e mental.

Para integrá-los ao dia a dia, experimente colocar verduras, legumes ou frutas de cores variadas em metade do prato.

Lembre-se de que a comida faz parte da nossa vida, da socialização e do nosso “conforto” emocional. Por isso é importante começar com pequenas mudanças. Assim, os bons hábitos passam a fazer parte da vida de uma maneira leve e constante.

Não há milagre
Não existe um alimento que, isoladamente, seja capaz de prevenir o câncer. O conjunto de alimentos saudáveis que ingerimos ao longo da vida toda é que reduz esse risco.

Você tem ou já teve câncer? Bem, siga as mesmas recomendações. Primeiro, porque elas trarão mais bem-estar físico e mental e te ajudarão a superar o tratamento e a reabilitação. E, segundo, porque quem enfrentou um porque quem enfrentou um câncer apresenta risco aumentado para encarar um segundo tumor em outro órgão. Portanto, reduzir esse perigo deve ser parte da rotina.

Vale ressaltar que uma dieta equilibrada acomoda o consumo pontual ou em baixa quantidade de alimentos processados ou ultraprocessados.

Até porque consumir exclusivamente alimentos in natura, orgânicos e livre conservantes – atitude conhecida como clean eating – não é tarefa simples no mundo moderno. Fora que pode levar a distúrbios alimentares.

Em 1997, foi cunhado o termo “ortorexia nervosa” para descrever a situação extrema de clean-eating, onde a busca pela dieta in natura puríssima leva a comportamentos compulsivos e distúrbios de ansiedade e estresse – incluindo não frequentar ambientes ou eventos onde não é servida a alimentação esperada. Como essa condição vem disfarçada de saúde e bem-estar, é pouco reconhecida.

A importância das consultas de rotina
Mudar os hábitos não é uma tarefa fácil. Nesse cenário, os exames de prevenção são ainda mais importantes.

Ora, se evitar o câncer nem sempre é possível, então devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para diagnosticá-lo – sobretudo quando a solução é simples, barata e efetiva, com menor impacto para o indivíduo, para a família e para a sociedade. 

Há uma lista de exames orientados por uma consulta médica a serem realizados pelas mulheres e pelos homens a partir dos 40 anos, quando a incidência do câncer aumenta.

Aqueles recomendados de forma ampla são:

Mamografia para detecção do câncer de mama
O teste de PSA para detecção precoce do câncer de próstata
A colonoscopia para o câncer de intestino
O teste de HPV, ou pelo menos o exame de papanicolau, para o câncer do colo uterino 
A tomografia de baixa dose do tórax no caso dos fumantes, para detecção precoce do câncer de pulmão 
Outros cânceres podem ser rastreados com exame físico minucioso, como o câncer de pele e o de boca.

Essas recomendações foram estabelecidas com a visão populacional, considerando o custo e o ganho de anos de vida se a população aderir aos exames.

Mas, para cada indivíduo, a lista de exames e/ou a frequência com que são realizados pode ser diferente. Por exemplo: se você fizer parte de uma família que acumula muitos tumores em pacientes jovens, as recomendações são diferentes em relação às de uma pessoa sem esse histórico. 

Para modular a prevenção, o ideal é, portanto, cada um entender seu risco individual, que é resultado da sua história familiar de câncer e também dos seus hábitos de vida.

Há muita investigação sobre novos métodos diagnósticos, incluindo ferramentas de inteligência artificial que prometem revolucionar a forma como fazemos detecção precoce de tumores. Mas nenhuma delas consegue, ainda, tirar do próprio indivíduo o protagonista da sua saúde

Fonte: Expresso do Sertão

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