sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Suicídios de crianças e adolescentes alertam sobre adoecimento e tabus; 'sinais podem ser sutis'.


Uma história que mal começou e foi interrompida de forma extrema. Como evitar partidas precoces como a da menina de 14 anos, skatista e adoradora de girassóis, que tirou a própria vida? De que modo é possível perceber os sinais? O que fazer para ajudar quando isso ocorre tão perto? O esforço na busca por respostas e na aplicação delas pode ser decisivo para salvar crianças e adolescentes.

Só nos primeiros oito meses deste ano, 36 crianças e adolescentes com idades entre 10 e 19 anos tiraram a própria vida no Ceará. São cerca de quatro registros por mês, um por semana, de um tema que ainda é pouco discutido: o suicídio infantil.

O número prova que casos de suicídio entre crianças e adolescentes são reais, ocorrem constantemente e são contabilizados pelas autoridades de saúde dentro dos códigos que integram a Classificação Internacional de Doenças (CID). 
Embora o dado seja coletivo, o fato é que cada uma dessas pessoas faz parte de um grave problema de saúde pública que, apesar dos diferentes avanços em distintos níveis sociais, tem permeado cada vez mais o cotidiano de famílias no Estado.
As estatísticas de 2022, levantadas pelo Diário do Nordeste, se somam a um fenômeno que sempre ocorreu. Só nos últimos 10 anos, foram registrados 529 suicídios de pessoas de até 19 anos, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, com atualização até o dia 31 de agosto.

“Quando recebi a notícia, eu senti meu mundo desmoronar… Não conseguia acreditar, só queria acordar daquele pesadelo”. A reportagem conversou com uma cearense que perdeu a filha adolescente por suicídio, aos 14 anos, em abril deste ano. As duas não terão a identidade exposta.

Em nenhum desses quase 180 dias, a mulher deixou de pensar na menina que amava girassóis - hoje flores que adornam seu túmulo. É nesse local onde a mãe ainda se questiona o porquê, apesar de a filha ter deixado uma carta de despedida.

“Ela estava muito revoltada com a sociedade porque sofreu bullying na escola e não era aceita por alguns por causa da opção sexual dela. Ela também dizia ser não-binária, não aceitava seu corpo, entre outras coisas”, relata.

Dando sinais de que não estava bem, inclusive se autolesionando, a menina pediu ajuda. Passou a ser acompanhada por um psiquiatra, lutou contra a depressão e seus dilemas internos, mas partiu.

“Hoje, tento viver um dia de cada vez, viajo, convivo com os amigos. Quando a dor está insuportável, ligo pra minha mãe, que é minha melhor amiga. Minha outra filha também me ajuda bastante a superar essa dor, ela é minha força”, compreende a mulher.

Na percepção de quem passou pela tragédia, a mãe recomenda a outros pais e responsáveis alguns pontos de atenção em relação aos filhos e filhas:

  • perceba se fazem desenhos com temática triste;
  • tenha paciência e doe seu tempo para escutá-los;
  • leve a sério quando dizem que não estão bem;
  • pergunte se, na escola, sofrem qualquer tipo de preconceito ou rejeição;
  • verifique se existe a prática da automutilação;
  • respeite a opção sexual “porque isso mexe muito com o adolescente”.

Alexandre de Aquino, presidente da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins no Ceará (Abenepi) e chefe do serviço de psiquiatria do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), afirma ser mito pensar que a adolescência é “a melhor fase da vida”.

Atualmente, em relação a décadas passadas, a pressão por um bom desempenho escolar cresceu. O bullying, especialmente o praticado por meio de redes sociais, e o histórico de psicopatologias dentro da própria família também são fatores de risco.

“Não só do ponto de vista genético, como também dos cuidados que essa criança ou adolescente recebe dos pais adoecidos, que geralmente não conseguem fornecer todas as necessidades emocionais que eles precisam naquela faixa etária”, explica.

Alexandre de Aquino

E essas demandas não são poucas, como sublinha psicóloga Nágela Natasha Lopes Evangelista (CRP11/6882), especialista em saúde mental, professora de Psicologia e ex-presidenta do Conselho Regional de Psicologia da 11ª Região (CRP-11): crianças e adolescentes são sujeitos em formação de identidade, personalidade, relações pessoais, aceitação entre seus pares e descoberta de gostos. 

PREPARO NAS ESCOLAS
Identificar demandas de saúde mental nessa população não depende só dos pais, mas deve contar com o suporte da rede escolar, como pondera Rafael Ayres, da Sesa.

Formações complementares para professores e educadores seriam acertadas “porque é justamente na escola onde esse fenômeno se apresenta, mas a gente vem percebendo que a gestão escolar fica sem saber como fazer”. 

Formações complementares
Legenda: Formações complementares para professores e educadores seriam acertadas porque é justamente na escola onde esse fenômeno se apresenta
Foto: Freepik
Nágela também aponta a necessidade dessa discussão no ambiente escolar não apenas durante o Setembro Amarelo, mas em outros períodos do ano, destacando tanto a valorização da vida quanto ferramentas de enfrentamento e posvenção ao suicídio. 

Rafael Ayres destaca que, na rede pública de saúde, pode-se procurar ajuda nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), caso seja preciso um atendimento mais imediato, ou nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde se pode buscar encaminhamento para um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). 

Fonte: Diário do Nordeste



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