sábado, 2 de julho de 2022

Doméstica resgatada após passar mais de 4 décadas em condições análogas à escravidão foi vendida pelo próprio pai quando tinha 11 anos.


A mulher que foi resgatada de condições análogas à escravidão foi vendida aos 11 anos de idade pelo próprio pai para uma família no Recife. Ela trabalhou como doméstica durante 43 anos sem receber salários ou carteira assinada. Também não teve direito a férias, folgas ou qualquer benefício de Previdência Social.

Agora, aos 54 anos de idade, a mulher ganhou o direito, a partir de um acordo com a família, a receber indenização de R$ 250 mil divididos em parcelas. Desde o resgate, ela passou a morar com uma irmã, na capital pernambucana.

A informação sobre a venda da vítima para a família empregadora foi repassada nesta sexta (1º), pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, em Brasília.

De acordo com o governo federal, esse caso do Recife é o quinto resgate de trabalhadores nessas condições registrado em 2022 no País. Em 2021, ocorreram 31 ações.

Ainda segundo a Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, as auditoras responsáveis pelo resgate relataram, em um documento, a conversa que tiveram com a vítima.

Nesse documento, as auditoras informaram que, ao ser questionada sobre a remuneração, a mulher disse que a família "momentaneamente” mandou dinheiro para o pai dela.

Também contou que, depois, esse dinheiro chegou a ser substituído por roupas e calçados, alguns até mesmo já usados, além de produtos de higiene pessoal.

A ação de resgate ocorreu após uma denúncia anônima. Participaram três auditoras da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Pernambuco (SRTE-PE) e integrantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) no estado.

Chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, Maurício Krepsky relatou, nesta sexta, como ocorreu o resgate da doméstica, que não pode ter o nome divulgado.

“O MPT até pediu autorização judicial para ingresso na residência e o juiz negou. As auditoras que informaram o MPT sobre a situação real e se desenrolaram as tratativas para assinatura do acordo para pagamento das verbas trabalhista”, afirmou Maurício Krepsky, ao g1.

Ação
Segundo a Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo, o trabalho começou pouco antes do resgate, em 16 de maio. As auditoras e integrantes do MPT e da Polícia Militar fizeram o primeiro contato com a doméstica.

Nesse contato, a mulher também relatou aos fiscais da SRTE em Pernambuco que, inicialmente, limpava e arrumava a casa. Também lavava louças e roupas. Pouco tempo depois, passou a acumular a função de babá.

A trabalhadora contou aos fiscais que, mesmo sendo “considerada da família”, dedicou parte de sua infância aos trabalhos na residência e nunca recebeu brinquedos de presente no seu aniversário ou no Natal.

O documento aponta que o relato da doméstica vai além. Ela contou que também passou a cuidar de netos do casal empregador e até dos cachorros da família.

“Na inspeção, as auditoras-fiscais do trabalho constataram que as atividades eram exercidas em três turnos, com extrapolação da jornada de trabalho. Durante à noite, ela lavava as louças e arrumava a cozinha após o jantar e, nos finais de semana, acompanhava os filhos e netos dos patrões em festas”, detalha o documento.

Ainda segundo o relato das auditoras, os empregadores informaram que criaram a trabalhadora como se fosse uma filha e, por isso, “julgaram não ser necessário o reconhecimento do vínculo empregatício e pagamento de salários ou do FGTS”.

Pós-Resgate
A Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo informou que depois do resgate foram elaborados autos de infração e do termo de afastamento do trabalho análogo.

Ficou assegurado à doméstica o pagamento de três parcelas do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, no valor de um salário mínimo, cada.

Em seguida, o MPT e a Auditoria-Fiscal do Trabalho apresentaram para a vítimas as propostas de indenização, “para minimizar os danos sofridos pelos anos de exploração laboral”.

Assim, o MPT elaborou o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), firmado pela família empregadora, que “se comprometeu a não mais ter em sua residência trabalhador sem que sejam respeitados todos os preceitos legais do ordenamento jurídico brasileiro".

Também ficou garantido que a família assinaria a Carteira de Trabalho da vítima, com admissão em 1979, e indenizaria a trabalhadora pelo trabalho exercido.

Saiba como identificar os casos
Segundo o MPT em Pernambuco, existem várias formas de identificar o trabalho escravo doméstico. Uma delas é analisar se há jornadas de trabalho exaustivas, a qualquer hora do dia ou da noite, sem direito a folgas ou pagamento de hora extra.

Outra questão é a oferta de moradia em cômodo com más condições de higiene e conforto. É preciso, ainda, saber se houve restrição de alimentação ou acesso a serviços públicos e de assistência à saúde.

O “empregador” também não pode proibir saída do ambiente de trabalho em função de dívidas, com retenção de documentos.

Por último, o MPT alerta para os casos em que a pessoa não recebe salário ou direitos trabalhistas sob a alegação de que "é da família”.

As denúncias ao MPT em Pernambuco podem ser feitas pelo site ou pelo aplicativo Pardal. O denunciante tem como optar pelo anonimato ao fazer o registro.

Denúncias de trabalho escravo também podem ser feitas, de forma remota e sigilosa, no Sistema Ipê, único sistema exclusivo para denúncia de trabalho escravo, lançado em 2020 pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O Sistema Ipê é o sistema oficial do Fluxo Nacional de Atendimento das Vítimas de Trabalho Escravo, regulamentado pela Portaria nº 3.484, de 6 de outubro de 2021.

Pelo Brasil
Em maio deste ano, No Rio de Janeiro, uma mulher foi resgatada após passar 72 anos em condições análogas à escravidão. Ela tinha apenas 12 quando chegou à casa de uma família no Cachambi, Zona Norte do Rio.

Foram mais de sete décadas sem salário, sem férias e nem qualquer direito trabalhista. Dormia num sofá da casa onde fazia trabalhos domésticos e cuidava de uma idosa como ela.

Em abril de 2022, uma mulher de 52 anos, que trabalhava como doméstica, foi resgatada no município de Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia, depois de permanecer por 40 anos submetida a condições análogas à de escravo.

De acordo com o MPT, a mulher foi resgatada encaminhada para a casa de familiares, em Itacaré, no sul baiano.

Fonte: G1

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