segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Evasão escolar na pandemia: diretores e conselheiros tutelares contam histórias que estão fora das estatísticas.


Uma pilha de pastas se acumula em um dos armários do Conselho Tutelar III de Ceilândia, no Distrito Federal. Cada uma delas é o relatório de uma criança ou adolescente, estudante da rede pública, que deixou de ir para a escola este ano. As ausências, que ainda não foram registradas em levantamentos da Secretaria de Educação, já são notadas por profissionais ouvidos pelo G1, que acompanham as famílias de perto.

"As notificações escolares de evasão ou faltas escolares são mandadas [para o Conselho] quase que semanalmente", explica a conselheira tutelar de Ceilândia Jaciara Sena. Ela conta que seu papel é tentar contato com a família e entender o porquê do afastamento do aluno.

As respostas que Jaciara encontra, muitas vezes, são reflexo dos impactos da pandemia de Covid-19.

"Desde que começou a pandemia, começamos a receber uma demanda maior das escolas, de evasão, de não cumprimento das tarefas escolares. São famílias que estão em vulnerabilidade social, que não têm internet em casa, muitas perderam o emprego", explica a conselheira.

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De março de 2020 a junho de 2021, as escolas públicas funcionaram exclusivamente com ensino remoto. Desde julho, foi iniciado o modelo híbrido – intercalando semanas com atividades presenciais e online.

Quem não tem equipamento eletrônico ou internet precisa buscar materiais impressos no colégio. "Muitos pais não têm condição de buscar esse material na escola", destaca Jaciara.

"Um grande fator [para evasão] foi o desemprego. A internet seria o menor dos problemas, as pessoas queriam arroz e feijão para colocar dentro de casa e poder alimentar os filhos", diz a conselheira tutelar.
Evasão escolar em números
De acordo com a Secretaria de Educação do DF, a evasão só pode ser analisada em dados por meio do Censo Escolar, levantamento que ocorre a cada ano. A mais recente coleta de dados sobre o afastamento de alunos da escola é referente ao ano de 2019, antes da pandemia.

Este último levantamento mostrava que 3.577 alunos abandonaram as escolas no ensino fundamental (1,31% do total), 4.926, no ensino médio (6,1%) e 6.386 na Educação de Jovens e Adultos (EJA) (32,88%).

Conforme a previsão de divulgação dos dados oficiais, a evasão durante a pandemia só será avaliada em estatísticas nas próximas pesquisas, a serem divulgadas entre o fim deste ano e o início de 2022.

Sem Contato

O trabalho de tentar contato com a família de alunos afastados enfrenta obstáculos. Segundo a conselheira, há muitos casos em que nem é possível saber o que ocorreu com a criança.

"Na maioria, os endereços estão defasados. Se não tiver casa própria, as famílias mudam muito [de residência]. O endereço que a escola tem, que nos é fornecido, a gente vai procurar, e a família não mora mais lá. Nós não temos um banco de dados para saber onde essa família está", explica.
Questionada pelo G1, a Secretaria de Educação afirmou que "os dados [pessoais] são obtidos por ocasião da primeira matrícula na escola", ou seja, não há atualização conforme o estudante passa para as próximas séries.

A pasta afirma que "as unidades de ensino alertam os pais sobre a necessidade de manter os dados atualizados".

18% ausente

No colégio cívico-militar Centro Educacional 308 (CEd), do Recanto das Emas, após quatro semanas de retorno das turmas do ensino fundamental e três semanas após início das aulas presenciais do ensino médio, 120 alunos estavam ausentes, o que equivale a 18% do total, conforme os dados monitorados pela diretoria.

A quantidade de estudantes faltosos em cada série varia, no entanto, a maioria das turmas tem pelo menos um estudante ausente. Entre as 30 turmas do CEd 308, apenas três não tiveram nenhuma falta nestas primeiras semanas de aula. Em uma das salas, do 1º ano do ensino médio, quase metade da turma faltou: de 13 alunos que deveriam comparecer, seis não foram para a escola.

O diretor pedagógico do CEd 308, Márcio Faria, afirma que a escola autorizou as famílias a manterem os filhos apenas em atividades remotas, caso entendessem que assim seria mais seguro. "São alunos que têm algum problema, alguma doença crônica", conta. De acordo com a escola, nove adolescentes se encaixam nesta situação.

Para evitar a evasão, Márcio afirma que o colégio se mobiliza. "Estamos na busca ativa, estamos ligando, indo às casas tentando contato".

Escalonamento suspenso
No Centro Educacional 1 da Estrutural a escola suspendeu o escalonamento para alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A diretora da instituição, Estela Accioly, explica que "houve baixa procura", por isso, todos podem acompanhar as aulas presenciais.

"Há turmas com quatro, três alunos frequentando. Nossa sala pode colocar no máximo 15 estudantes [considerando o distanciamento]", diz a diretora.
Estela afirma que ainda pode ser precoce avaliar a evasão dos alunos e afirma que a escola segue na tentativa de atrair os jovens e adultos para as salas de aula.

Baixa adesão
No Centro de Ensino Fundamental 08 do Guará, também há baixa adesão na volta às aulas da EJA, com risco de ter atividades encerradas. A instituição está com duas turmas da modalidade, uma com nove alunos e outra com 14.

No entanto, a Secretaria de Educação prevê que cada turma precisa ter, pelo menos, 18 alunos. A pasta deu prazo de até esta segunda-feira (20) para que a escola apresente o número mínimo de matrículas. Caso contrário, os alunos serão transferidos para outras instituições.

Ao longo da última semana, o colégio faz campanha nas ruas, com carro de som, convidando moradores que não concluíram os estudos a buscarem a instituição

Em entrevista, o supervisor pedagógico do Cef 08, Cláudio Valadares, conta que a escola tentou contato com os alunos que estavam matriculados, mas eles não compareceram às aulas. "Cada um deu uma resposta diferente", diz.

"Alguns não vieram por medo, estão em casa por conta da pandemia e outros falaram que, simplesmente, não virão", afirma.

Fonte: G1

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