sexta-feira, 25 de junho de 2021

Mais uma Sede de Conselho Tutelar caindo aos pedaços.

Uma empresa contratada pela prefeitura de São Paulo para prestar serviços de limpeza e zeladoria nas instalações dos 52 conselhos tutelares da cidade não está conseguindo dar conta do serviço. O motivo, depende de quem se justifica, se a empresa, ou o município.

Um fato, porém, é incontestável: os prédios e os servidores do órgão convivem com cupins, com mofo e com vazamentos, e não se consegue que sejam trocadas lâmpadas queimadas nem que seja instalado um aparelho telefônico.

É o que denunciam os funcionários da instituição e o que fica evidente quando se visita os prédios que deveriam ser alvo do serviço contratado, como constatou a reportagem do Brasil de Fato.

Que a prefeitura está gastando dinheiro para que suas instalações tutelares sejam mantidas com manutenção em dia e em perfeito estado, também é fato. Assim está descrito nos termos de contratos em plena vigência da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), que abrange os Conselhos Tutelares, com a empresa Priorato Engenharia Ltda. Neles, se lê que a companhia terceirizada é responsável por:

“Manutenção predial, abrangendo as preventivas, corretivas e assistência técnica das instalações elétricas, das hidráulicas, da civil, de telefonia interna, do sistema de detecção de fumaça, de alarme, de combate a incêndio, de iluminação de emergência, de para-raios, ar-condicionado e de serviços gerais conexos, com fornecimento estimado de peças e equipamentos, incluindo eventual necessidade de deslocamento de mobiliários e materiais de suporte necessários.”

Ocorre, porém, que se acumulam os relatos e provas de que o objeto do contrato não está sendo realizado. Só o que varia, pela versão da empresa ou do município, é o motivo para isso.

Mofo, vazamentos, extintores vencidos e infestação por cupins: conselhos tutelares em situação de abandono 

Na sede do Conselho Tutelar do Ipiranga, na zona sul da capital, por exemplo, o aspecto das instalações é de insalubridade e abandono. A reportagem do Brasil de Fato esteve no local, e o que viu foram paredes mofadas, infiltrações, vazamento de água no banheiro e extintores vencidos (ver galeria). Indagados sobre o serviço de reparo que a prefeitura contrata, funcionários informaram que se perguntam a mesma coisa: onde está?
 

A situação no Ipiranga está longe de ser exceção. A reportagem conversou com uma série de conselheiros, atuando em todas as regiões da cidade, e os relatos são sempre os mesmos.

Denunciando sob condição de não serem identificados, pois temem retaliações, os servidores relatam que, em algumas sedes dos Conselhos Tutelares, não há substituição sequer de lâmpadas queimadas. Campainhas que não funcionam, ar-condicionado desinstalado e portões elétricos sem manutenção, mesmo após solicitações feitas às autoridades municipais, são parte da realidade dos prédios sob os cuidados da Priorato.

No dia 13 de abril deste ano, por exemplo, o Conselho Tutelar do Butantã, na zona oeste da capital, comunicou à SMDHC, via e-mail, que a sede estava com problemas de infiltração e mofo, que necessitava de pintura e reparos nas portas e que convive com uma infestação de cupins.

A SMDHC nunca respondeu ao e-mail, lamentam os conselheiros. Muito menos a Priorato Engenharia compareceu na sede para fazer reparos, ou explicou por que não iria, ou quando iria. O imóvel segue com os mesmos problemas estruturais desde então, os cupins a lhe roer as portas, o mau cheiro a infestar as salas, como se lê abaixo.


Outro caso, com comunicação igualmente registrada em mensagem à prefeitura. Novembro do ano passado: servidores do Conselho Tutelar do Rio Pequeno, também na zona oeste do município, comunicam à SMDHC que diversas lâmpadas da sede estão queimadas, os servidores estão trabalhando na penumbra, por favor que se troque essas lâmpadas. 25 de junho de 2021, data de publicação desta reportagem: lâmpadas queimadas, servidores trabalhando na penumbra, nem sinal da Priorato Engenharia.

A lista não se esgota. Conselho Tutelar Cidade Tiradentes I, zona leste da capital, setembro de 2020: conselheiros sem telefone. Precisam de um aparelho de telefone do tipo PABX, precisam atender ligações de cidadãos paulistanos que ligam para pedir ajuda ou para denunciar uma situação em que outros precisam de ajuda. 25 de junho de 2021: servidores estão trabalhando normalmente, dispondo e fazendo uso de um aparelho telefônico do tipo PABX. 

Graças à prefeitura e à sua contratada, a Priorato Engenharia? Não. Graças a uma servidora que se cansou da situação, comprou e instalou um aparelho na repartição pública. Mas a prefeitura ou sua empresa contratada ainda não ligaram para informar quando irão ressarci-la.

Prefeitura diz que serviços continuam; empresa diz que dinheiro acabou

Procurada pela reportagem, a Prefeitura de São Paulo afirmou que técnicos da Priorato estiveram nas unidades do Rio Pequeno, Cidade Tiradentes I e Butantã para prestar os serviços de manutenção devidos. Quando? Quais serviços prestou? Por que não corrigiu os problemas para os quais foi chamada a resolver? A prefeitura não respondeu.

O empresário Luiz Gustavo Ferreira é um dos donos da Priorato Engenharia. Ao Brasil de Fato, ele afirmou que a empresa não pode ser responsabilizada por eventuais atrasos ou negligência. Ele também afirmou que a empresa está rigorosamente cumprindo o contrato. Então, por que não está prestando os serviços, trocando lâmpadas, combatendo os cupins, reparando vazamentos, instalando um aparelho telefônico?

“A demanda sempre vem da prefeitura, que é quem demanda as atividades. Eles têm um cronograma, e há um budget  (orçamento) contratual, que já se encerrou”, explica o dono da Priorato. Quer dizer: segundo o empresário, a Priorato já executou todo o trabalho que era possível realizar com o que a prefeitura lhe pagou. O tempo de prestação de serviço não acabou, mas nada mais pode ser feito, já em setembro de 2020 não foi possível instalar um telefone, porque o dinheiro já acabou.

“Existe um cronograma, e a demanda que vem deles (a prefeitura). Eu não posso entrar em qualquer unidade sem autorização da secretaria, se não eles não me pagam. Quem demanda, é o contratante”, reforçou Ferreira, ao Brasil de Fato.

Sendo como ele afirma, os conselheiros que se acostumem com o mofo, com os cupins e com a penumbra. 

É que a aquisição de serviços de manutenção predial para os Conselhos Tutelares por parte da prefeitura foi dividida em dois contratos. Os dois foram firmados com a empresa de Ferreira. O primeiro, de 31 de julho de 2020, no valor de R$ 816.999,92. O segundo, firmado em 10 de novembro do mesmo ano, de R$ 204.249,98. Somados, R$ 1.021.249,98. Ambos, com vigência de 12 meses. Até que se encerrem, pelo que diz o empresário, nada mais pode ser feito.

Sobre o orçamento, ou budget como prefere o empresário: os contratos estipulam valores e um banco de horas para cada função. Encanadores, por exemplo, custam R$ 31,49 por hora à SMDHC e estão disponíveis por 400 horas durante os 12 meses. Isso significa que os 52 Conselhos Tutelares devem dividir 33 horas por mês dos serviços hidráulicos prestados pela Priorato, pouco mais de 1h30 para cada sede.

Já foram, então, todos consumidos, ainda que nem um minuto tenha sido investido no combate às infiltrações do Conselho Tutelar do Ipiranga, como se nota pela imagem que encabeça esta reportagem. Qual a solução? Firmar um aditivo contratual, providenciar um novo budget. E é isso que já está em negociação, segundo Ferreira.

Já o município fala outra coisa. Em nota, a prefeitura informou ao Brasil de Fato que "o contrato com a empresa está vigente, e já se iniciou os trâmites para a sua prorrogação, sem que haja interrupção de serviços e de acordo com a legislação que rege os contratos do serviço público."

Então: segundo a empresa, os serviços estão interrompidos porque o dinheiro acabou. Segundo a prefeitura, o contrato será prorrogado sem que haja interrupção dos serviços, como manda a lei.

De qualquer forma, em que pese a discordância sobre se o serviço está sendo prestado ou se o dinheiro já tinha acabado em setembro de 2020, impedindo a instalação de um telefone, Priorato e prefeitura seguem em harmonia. Tanto é que a empresa também foi contratada pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania para realizar a manutenção predial da Casa da Mulher Brasileira, no bairro do Cambuci, região central de São Paulo.

São dois contratos, com vigência de 12 meses cada, assim como ocorre com os Conselhos Tutelares. Pelo primeiro, de 23 de novembro de 2020, a terceirizada recebeu R$ 389.999,52. Correspondente ao segundo, firmado em 7 de dezembro do mesmo ano, R$ 271.992,00 foram revertidos para o caixa da empresa. Somados, são R$ 661.991,52.

Todos os contratos são assinados por Luiz Orsatti Filho, chefe de gabinete de Claudia Carletto, chefe da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, e Luciano Stinguel da Silva, um dos sócios da Priorato Engenharia Ltda. O outro é Luiz Gustavo Ferreira.

Tudo isso, porém, não quer dizer que não se tenha registro de serviços prestados pela Priorato no tempo de vigência dos contratos.

A prefeitura informa: “O Conselho Tutelar do Ipiranga recebeu visita da equipe técnica da empresa em dezembro de 2020, quando um reparo no telhado foi realizado”

Trata-se de um fato, com testemunhas. Dilma Carvalho Silva, conselheira do Ipiranga, confirmou a visita da empresa em dezembro de 2020. O telhado que estava quebrado, a água que caía e molhava tudo a cada chuva, isso foi resolvido pela Priorato. "Arrumaram o telhado, deixaram todo o resto como estava”. A água deixou de cair do céu, restou a que brota das paredes, o que não é de todo ruim. Com os extintores vencidos e não trocados, pode vir a ter utilidade em um incêndio.

Finalmente, afirma ainda a prefeitura, em nota ao Brasil de Fato: “Todas as 52 sedes estão cientes que terão suas solicitações atendidas dentro de um cronograma estabelecido para o serviço de manutenção predial, e salientamos que todos os Conselhos possuem contato direto com a Secretaria, que fiscaliza o cumprimento do contrato.”

Fonte: Brasil de Fato


Nenhum comentário:

Postar um comentário