quinta-feira, 24 de junho de 2021

Bahia registrou mais de 2 mil denúncias de violência contra crianças e adolescente em 2021.

 

A Bahia ultrapassou a marca de mais de 2 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes em 2021. De acordo com dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), são exatamente 2.392 ocorrências registradas pelo Disque 100, que acusaram 9.022 tipos de violação, até o dia 21 de junho.

O levantamento revela que a Bahia é o quarto estado do Brasil que mais recebeu denúncias desse tipo, atrás somente de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, respectivamente. Em todo o país, foram 149.724 acusações. A maioria das vítimas baianas é mulher (52,9%), de cor parda (32,9%), com idade entre 12 e 14 anos (20,19%) e renda de até três salários mínimos (46,7%).

Além de serem as principais agredidas, as mulheres também são as principais agressoras: 46,54% dos suspeitos das denúncias é do sexo feminino, contra 44,86% do sexo masculino. No geral, a agressão vem de casa, o que caracteriza a violência doméstica, e, no caso da Bahia, a mãe é quem mais violenta os filhos – 34,1% das denúncias. Os pais são quase a metade desse número: somam 18,1% dos suspeitos.

Subnotificação

O número de casos é muito superior ao contabilizado pelo Ministério e pelos órgãos oficiais. Com a pandemia da covid-19, essa subnotificação ficou ainda maior, segundo a juíza Ailze Botelho Almeida, da 2ª Vara dos Feitos Relativos aos Crimes Praticados contra Criança e Adolescente de Salvador.

“As denúncias formalizadas diminuíram, até porque o Judiciário é a última ponta, quando o caso chega até nós, a criança já teve atendimento da rede de proteção e já houve uma investigação policial. Durante a pandemia, as pessoas ficaram um grande período em casa e sem poder sair para denunciar”, pontua Ailze.

Na Vara em que a juíza é responsável, em 2021, houve uma queda de 50% em relação ao número de processos protocolados. Foram 219 em 2021 até o dia 16 de junho, contra 105 processos no mesmo período do ano passado. “A gente também percebe uma dificuldade de as ações penais chegarem até as pessoas e fazer as investigações. Muitos casos também não têm como comprovar, outros nem chegam à Justiça e alguns chegam ao Disque 100 sem nome da vítima ou do autor, que são o mínimo de informação necessária”, explica a juíza.

Além dos nomes, Ailze pontua que a denúncia deve conter, com o máximo de detalhes possível, qual a situação vivenciada pela vítima. Ela ainda diz que a principal forma de identificar a agressão é quando o menor verbaliza o ocorrido. “Identificar uma vítima de violência é muito difícil, porque cada uma reage de um jeito e, às vezes, os maus tratos são aceitos no ambiente intrafamiliar, como dar um tapa para corrigir uma atitude, xingar e humilhar a criança”, conta.

Denunciar é o melhor caminho

Por isso que, na menor suspeita, denunciar é o melhor caminho, como indica Luciana Reis, coordenadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan (CEDECA). “Os autores da violência são pessoas próximas e o indivíduo não acredita que o parente possa ter feito, por isso, coloca em xeque a fala da criança. É importante que a denúncia seja feita a partir da suspeita, porque cabe à rede de proteção investigar se é ou não verdade. O que não pode é se omitir diante de uma situação de violência, porque cuidar das crianças é um dever de todos”, defende Luciana.

A coordenadora do Cedeca também argumenta que é preciso haver uma mudança de comportamento na sociedade em relação ao tema. “É preciso entender o Estatuto da Criança e Adolescente para além da teoria e que a violência e abuso sexual não acontece só na casa do vizinho. As crianças precisam de alguém, um responsável para falar por elas. Não se pode ignorar os sinais da violação, porque aí já estamos violando o direito à proteção”, orienta.

Luciana acrescenta que as violências sofridas pelas crianças e adolescentes são múltiplas. “A gente constata que não existe uma forma isolada de violência, geralmente as violações de direito trazem consigo inúmeras violências. Quando atendemos um caso de violência sexual, por exemplo, na maioria das vezes, agrega maus tratos, negligência, pode haver também exploração econômica, que já está ligado ao trabalho infantil e tráfico de pessoas”, exemplifica.

Cerca de 90% das denúncias recebidas pelo Centro, segundo Luciana, são de crianças menores de 12 anos. A dificuldade de reverter esse cenário foi agravada com a pandemia. O Cedeca, por exemplo, encerrou seu atendimento presencial. “Como o autor da agressão mora com a criança, a casa não é um ambiente seguro. Por isso que o trabalho do Cedeca continua por um acompanhamento das famílias por telefone, sempre que possível, e pelas redes sociais e email, fazendo um assessoramento técnico, com formações e campanhas para a sensibilização de que a criança é um sujeito de direito”, completa.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), agência da Organização das Nações Unidas (Onu), também defende que a principal medida é a de denúncia. “A pandemia acentuou a condição de vulnerabilidade de muitas crianças e adolescentes. Nesse contexto, meninas e meninos encontram-se ainda mais expostos a muitas formas de violência e abusos provocados por adultos. Por isso é importante ter sempre em mãos os canais de denúncia, para quando soubermos suspeitarmos ou testemunharmos algum caso de violência contra criança”, defende a coordenadora do escritório do UNICEF em Salvador, Helena Oliveira.

Helena ainda completa que o principal canal de atendimento é o Disque 100. “O Unicef reforça que qualquer caso de negligência, violência, exploração ou abuso contra criança ou adolescente entre 0 a 18 anos, você pode e deve usar o Disque 100. É anônimo e proteger crianças e adolescentes é uma responsabilidade de todos”, adiciona a coordenadora do escritório do UNICEF em Salvador.

Perfil do agressor

O agressor, ainda de acordo com dados do Ministério, está entre a faixa etária de 30 a 39 anos (28,4%). As agressões ocorrem normalmente na casa onde ele e a vítima moram (60,7%), ou na casa da vítima (19,6%) ou na casa do agressor (8,3%). O principal motivo é pela idade da vítima (72,2%) e as violações duram por longos períodos. Em maioria, ocorrem há mais de um ano (32,4%).

Mês a mês, as denúncias vêm aumentando em 2021: em janeiro, foram 313, em fevereiro; 394, em março, 429; em abril, 444 e, em maio, 468. O mês de junho registra 344 ocorrências até o dia 21. No ano passado, o número de denúncias no mesmo período, entre janeiro e junho, foi um pouco maior – 2.507. As cidades com maior registro de acusações são Salvador e Irecê, no Centro Norte do estado (veja lista completa no final da matéria).

Delegacia recebeu mais de 1.100 ocorrências em 2021
Só na Delegacia Especializada de Repressão A Crime Contra Criança Adolescente (Derca) de Salvador, foram 1.138 ocorrências registradas em relação à violência infanto-juvenil. A informação foi compartilhada com o CORREIO através da delegada titular da Derca, Simone Moutinho.

“A violência doméstica é aquela oriunda das relações de afeto, do presente ou do passado, como as de laço familiar, da própria casa ou de agregados. Essa proximidade que faz com que a violência, seja moral, física, sexual ou psicológica, tenha acontecido”, afirma Simone.

Ela também reiterou que a maioria dos casos nem chegam a ser notificados. “Apenas 10% dos casos de violência que ocorrem são registrados e a subnotificação é real, porque ainda existe muito preconceito das pessoas denunciarem. Acham que é coisa de família e que não devem se envolver, quando, na verdade, a violência contra criança e adolescente é o principal problema da humanidade”, avalia a delegada.

Dentre os tipos de violência contra criança e adolescente, estão desde a violência física, como lesão corporal, maus tratos, tortura, à psicológica, como assédio moral, ameaça, alienação parental, a violência e abuso sexual e os crimes contra a vida, a exemplo do homicídio e suicídio.

Reflexos sociais

Segundo a juíza Sandra Magali Brito Silva Mendonça, da Vara da Infância e da Juventude de Ilhéus, as crianças de todas as realidades socioeconômicas podem ser afetadas pelas violações. Em Ilhéus, por exemplo, a maioria das denúncias é com relação à violência sexual, pois muitos casos de violência física, como maus tratos, não são denunciados.

“Muitos pais acreditam que têm direito de agredir, de bater. Acham que podem educar através da violência. Infelizmente muitas crianças crescem neste tipo de ambiente, o que reverbera em questões de ordem psicológica e na reprodução dessa cultura, que não conseguimos interromper”, disse.

Para a magistrada, pessoas que hoje são violentas no meio social muitas vezes foram vítimas da violência, receberam orientação de que as coisas podem ser resolvidas através da agressão. Ela enfatiza a necessidade de todos trabalharem para uma sociedade mais pacífica e esse trabalho se inicia em casa, nos ambientes escolares e nos ambientes onde as crianças transitam.

“É preciso uma consciência coletiva de que tratar crianças e adolescentes com atos de violência se constitui crime e necessita ser denunciado, ser levado às autoridades, não como cunho simples de punir os agressores, mas como forma de interromper e proteger”, enfatiza a juíza Sandra Mendonça.

O juiz Arnaldo José Lemos de Souza, da 1ª Vara dos Feitos Relativos aos Crimes Praticados contra Criança e Adolescente de Salvador, ratifica a tese. Para ele, a violência infanto-juvenil é um reflexo cultural. “É necessário ser feito um trabalho, sobretudo nas escolas, de educação sexual, para que as crianças e adolescentes tenham uma melhor percepção do que é a violência, já que muitas não entendem, por exemplo, a diferença entre um toque de carinho e um toque de cunho sexual. Ao terem maior conhecimento, podem denunciar”, afirmou.

Ele destacou ainda a necessidade do trabalho protetivo, quando elas fazem a denúncia na escola. Segundo o magistrado, as crianças sentem medo que alguma coisa ocorra com a família, que ela seja destruída. Muitas, então, ficam com receio de fazer a revelação. É necessário também o acolhimento familiar, e, para isso, é importante saber, em caso de abuso pelo pai ou padrasto, se a mãe, por exemplo, tem conhecimento dos fatos e é conivente.

Como denunciar

Existem várias maneiras de fazer a denúncia contra violência doméstica. A principal é o Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Há ainda os canais diretos da Polícia Militar da Bahia (PM-BA): o 190 e o 181, para casos de urgência.

Os Conselhos Tutelares municipais também podem direcionar os encaminhamentos. São 18 deles em Salvador, nos bairros de Roma, Barroquinha, Brotas, Liberdade, Itapuã, Pernambués, Castelo Branco, Cajazeiras, Periperi, Federação, Boca do Rio, São Caetano, Narandiba, Barra, Ipitanga, Pituba e Valéria, além das ilhas que pertencem ao município. Veja todos os endereços e telefones no final da matéria ou neste link.

Procurados, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e o Ministério Público da Bahia (MP-BA) não puderam responder à reportagem dentro do prazo de fechamento do texto.

Dicas do Unicef para proteger crianças e adolescentes da violência na pandemia

1. Cuide das crianças e dos adolescentes
A casa deve ser um lugar seguro para meninas e meninos, livres de agressões e abusos. Se você tem crianças e adolescentes em casa, procure criar um ambiente de paciência, amor, carinho e segurança para sua família. Ofereça apoio e busque reservar um tempo para interagir com cada criança, fortalecendo a relação entre você e ela. Converse e brinque sempre que possível, e explique a situação que estamos vivendo. Entender o que está acontecendo é o primeiro passo para que ela se sinta segura.

2. Cuide de você
É normal sentir ansiedade, nervosismo ou estresse na pandemia da covid-19, por isso, é fundamental cuidar da saúde mental. Não desconte seu estresse ou frustração nas crianças e nos adolescentes, lembre-se de que elas e eles precisam do seu carinho e proteção, e também podem estar enfrentando esses sentimentos. Além disso, busque sempre estar informado, mas evite se conectar o dia todo nas notícias e fuja das fake news (notícias falsas). Consulte sempre informações confiáveis nos sites oficiais.

3. Procure ajuda
Se você é o único adulto responsável pelas crianças da casa e precisou ir ao hospital, peça ajuda de pessoas da sua confiança, ou ligue para o Conselho Tutelar e busque apoio dos órgãos de proteção à criança na sua cidade. Se você conhece alguém nessa situação, ofereça ajuda e entre em contato com os órgãos de proteção responsáveis, quando necessário.

4. Denuncie
Durante o confinamento, lembre-se: xingar, humilhar e praticar castigos físicos, como bater, são formas de violência. Por isso, tenha em mãos os canais de denúncia para qualquer situação de violência contra crianças e adolescentes. Se você testemunhar, souber ou suspeitar de alguma criança ou adolescente vítima de negligência, violência, exploração ou abuso, denuncie. As ligações são gratuitas e você não precisa se identificar.

5. Conheça e divulgue os canais de proteção
Para que todos possam combater a violência contra crianças e adolescente neste momento de pandemia, é necessário ter acesso a informações de qualidade e saber como proceder nessas situações. Confira abaixo todos os canais de denúncia de violência contra crianças e adolescentes, e compartilhe essas informações com seus familiares, amigos e vizinhos/todos que conhece por meio das redes sociais.

Cidades da Bahia com maior número de denúncias em 2021 (fonte: MMFDH)
Salvador – 704
Irecê – 126
Feira de Santana – 110
Ilhéus – 54
Vitoria da Conquista – 53
Camaçari – 53

Onde denunciar
Disque 100 – Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH)
Disque 190 – Polícia – destinado a atender emergências e urgências policiais
Disque 181 – Polícia – recebe denúncias sobre qualquer tipo de crime

Fonte: Agência Sertão

 

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