Mais um chocante caso de estupro de
vulnerável ocorreu em Minas Gerais, desta vez em Vespasiano, região
metropolitana de Belo Horizonte. A criança, de apenas três anos, relatou
para os familiares que o marido da avó paterna, 56, supostamente a
abusou sexualmente enquanto brincavam na casa do casal. A família da
vítima relata ter denunciado o caso no dia 29 de março. Além disso, a
criança fez o exame corporal, o qual o BHAZ teve acesso, e que confirma
que a menina sofreu lesões nas partes íntimas. Entretanto, eles reclamam
da demora no andamento do caso, uma vez que a criança ainda não passou
pela escuta especializada.
O relato da criança veio à tona durante uma tarde na casa da avó materna, no dia 28 de março.
Na ocasião, a menina de três anos
conversava com essa avó e com a tia, e começou a contar sobre uma
brincadeira feita com o marido da avó paterna, a quem ela considera como
avô. Segundo a criança, ela não havia gostado da tal brincadeira. Ao
BHAZ, o avô materno da garota, Roberto Mariano, contou que a filha teve a
ideia de começar a filmar o que a neta relatava, já que sentiu que a
menina poderia contar alguma violência por parte do marido da avó
paterna.
A reportagem teve acesso ao vídeo, o
qual a garotinha conta, de maneira despretensiosa o que teria acontecido
entre ela e o avô postiço. Ela relata o que o homem de 56 anos teria
feito, e que aquilo a fez chorar. Assustadas, a avó materna, que a
segura no colo, e a tia pedem para a criança dizer mais detalhes, ao que
ela rebate dizendo que “é muito educada”, como uma desculpa para não
falar mais sobre o assunto. Avó e tia contornam o diálogo com a criança,
mostrando que seria seguro que ela relatasse e, por fim, a menina dá
detalhes do ocorrido. Ela também afirma que o ato acontece quando a mãe
sai, e ela e o suspeito ficam sozinhos.
Criança dá detalhes do abuso
A
menina de três anos pede para que as parentes não contem o caso para a
avó paterna, que é esposa do homem que supostamente a abusou, e faz um
“juramento de dedinho”, costumeiro entre as crianças, para que avó e tia
não contassem o “segredo”. Segundo Roberto Mariano, a família da vítima
morava com o casal em Vespasiano, o que explica o crime acontecer no
momento em que a mãe da garotinha saía da casa. Ainda no relato dado
pela menina, ela diz que o que o avô postiço faz a machuca e afirma, de
maneira inocente, que “dá vontade de esmagar ele” quando o ato acontece.
Ao
final do vídeo, a criança de três anos não consegue dar mais relatos
precisos sobre o que aconteceu, uma vez que ela tem apenas três anos e
não consegue se comunicar com clareza como os adultos fazem. A avó, que
aparece no vídeo, começa a chorar ao entender que a neta havia sofrido
abuso sexual. Com isso, Roberto Mariano contou que a esposa foi até a
Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA)
para realizar a denúncia. Entretanto, como era domingo, a instituição
estava fechada.
Exame corporal apontou lesões
A
avó da garotinha pediu orientação para um Tático Móvel da Polícia
Militar, e os policiais a aconselharam a levar o vídeo do relato para a
Delegacia Noroeste da Polícia Civil. Lá, as autoridades aconselharam que
a criança fosse levada ao Hospital Odilon Behrens, a fim de realizar um
exame corporal e receber o atendimento assistencial social. “Os pais
dela chegaram lá [no hospital] e falaram que era suspeita de abuso, aí
passaram por uma assistente social, e a assistente social encaminhou
para uma clínica, aí na clínica examinaram e deram o laudo”, disse
Roberto Mariano.
Roberto Mariano relatou que no
dia seguinte, 29 de março, a mãe, a tia e a avó materna da criança
foram novamente até a Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao
Adolescente para registrar o caso. Após ouvir a mãe da menina, os
policiais responsáveis registraram a ocorrência como “infrações contra a
dignidade sexual e à família”. O marido da avó paterna foi qualificado
como suspeito, e a Depca encaminhou o caso para a Delegacia de Polícia
Civil de Vespasiano.
O avô da criança disse que
a avó paterna está em negação da situação, e não acredita que o marido
tenha cometido o crime. Com isso, alguns familiares estão preocupados
com a demora do andamento do caso, pois eles têm medo de que a menina
volte a frequentar a casa do suspeito ou que ela seja manipulada. “Eu
achava que a psicóloga [escuta especializada da polícia] iria escutar
ela muito rápido, e não, demora.
A escrivã da delegacia informou para a minha filha que tem processos
que estão lá há meses e até hoje não foram ouvidos. Antes da escuta não
tem como fazer nada, porque o investigador disse, nesses casos, que o
que importa é o relato da vítima”, contou Roberto Mariano.
Família aguarda andamento das investigações
De
acordo com a primeira nota da Polícia Civil sobre o caso, a
investigação está sendo conduzida na Delegacia Especializada de
Atendimento à Mulher (DEAM), em Vespasiano, e as apurações estão
avançadas. A instituição informou que aguarda o consentimento da Justiça
para realizar a escuta especializada da vítima, além de laudos médicos
complementares. Conforme dito pela corporação, outras informações serão
dadas no momento oportuno.
Desde a data da
denúncia, já se passaram 25 dias que a família da criança segue sem a
resolução do caso. Segundo Roberto Mariano, o suspeito teve depoimento
colhido na delegacia no dia 15 de abril. O BHAZ conversou com a advogada
criminal Paola Alcântara a respeito dos trâmites da Polícia Civil na
resolução dos casos. De acordo com a especialista, o processo consiste
em várias etapas para dar início à investigação, mas que a vítima pode
utilizar de medidas protetivas contra o suspeito enquanto o inquérito
não termina.
Roberto disse que a família entrou
em contato duas vezes com a Delegacia Especializada de Atendimento à
Mulher para pedir uma medida protetiva da criança contra o avô postiço e
contra a avó paterna. “A gente viu que a família do meu genro não
estava levando a situação a sério, e aí ficamos com medo deles se
aproximarem das meninas, porque a avó delas entra muito em contato com
elas por telefone. E aí minha filha perguntou se não tinha uma medida
que poderia ser tomada, e a escrivã da delegacia falou que ‘não, porque
ele não estava ameaçando e nem em contato’ com minha neta”, relatou
Roberto Mariano.
Irmã mais velha ficou com medo de contar
A
vítima possui uma irmã de 8 anos que, segundo o avô materno de ambas,
relatou que nunca presenciou a situação entre a mais nova e o suspeito,
mas que a irmãzinha sempre relatava a mesma situação. “Minha filha e
minha esposa conversaram com ela, e ela disse que nunca aconteceu nada
com ela, mas que a irmã já tinha contado umas 10 vezes essa história”.
Roberto Marino disse que a mais velha foi questionada do por que não
revelar a violência para um adulto, “e ela disse que ficou com medo de a
gente falar que era mentira”.
Paola Alcântara
explicou que mesmo que não existam ameaças, é direito da vítima obter a
medida protetiva e, no caso, dos pais da criança. “O caso de violência
doméstica é um caso que se aplica a medidas protetiva, não
necessariamente quando essa pessoa está sendo ameaçada. Isso também se
aplica à criança, porque esse é um caso de violência doméstica. Os
familiares têm que justificar o por que de pedir a medida e, nesse caso,
existe a exposição da criança”.
O BHAZ entrou
em contato com a Polícia Civil novamente para saber o motivo do pedido
de medida protetiva ter sido negado para a mãe da criança, ao que a
instituição respondeu que em nenhum momento recusou o requerimento. “Em
momento algum, a autoridade policial recusou a formulação de pedido de
medida protetiva de urgência e esclarece que tal pedido não foi
requerido pelo representante legal da vítima. Caso assim o deseje, a
PCMG orienta que um representante legal da criança compareça à delegacia
de polícia para formalização do pedido, que será prontamente atendido”,
informou a corporação.
Delegado pode pedir medida cautelar
Ainda
que a família não pedisse por uma medida protetiva, a advogada Paola
Alcântara ressalta que o delegado ou delegada responsável pelo caso pode
reconhecer a gravidade e pedir à Justiça algum meio que afaste o
suspeito da vítima. “Se o delegado entender que esse avô postiço oferece
algum tipo de perigo, que essa criança está exposta, ou se ele está
ameaçando testemunha, ou tem risco de fugir, o delegado pode pedir a
aplicação de alguma medida cautelar. Essas medidas podem ser o
condicionamento eletrônico, prisão domiciliar, prisão preventiva, prisão
temporária, algo nesse sentido”.
Questionada
se o delegado ou a delegada responsável pelo caso pediu uma medida
cautelar para a criança enquanto as investigações acontecem, a Polícia
Civil informou que a família poder comparecer até a delegacia. “Sobre a
medida cautelar, a PCMG ratifica a resposta anterior sobre o
representante legal da criança acionar a autoridade policial
competente”. Sendo assim, a instituição coloca sob responsabilidade da
família que procure a delegacia para requerer algum meio que possa
afastar o suspeito da vítima. Ainda segundo a corporação, “o inquérito é
presidido pela delegada Nicole Perim Martins”.
O que diz a Polícia Civil sobre a lentidão da investigação
Quanto
à lentidão do processo, a Polícia Civil justificou que o motivo é por
estarem aguardando o retorno do Poder Judiciário para realizar a oitiva
da criança. Segundo a corporação, “o andamento das investigações
depende, neste momento, do retorno dos autos da Justiça, com o
deferimento ou não do pedido da escuta especializada”. A corporação
também acrescentou que “a escuta especializada é realizada apenas na
Justiça, e não na delegacia”.
“Existe uma
demora do sistema de justiça? Existe. A gente está na pandemia, está
muito mais sério, mas efetivamente uma vítima não está sendo atendida,
então isso tudo tem que ser ponderado”, disse a advogada especialista em
direito criminal. Quando perguntada sobre o que poderia ser feito para
mudar essas leis e procedimentos que, devido à sua lentidão, acabam
colocando a vítima em risco e deixa muitas famílias aflitas e sem
resposta, Paola Alcântara apontou as falhas da estrutura estatal das
instituições responsáveis.
‘O aparelho estatal tem que ser melhorado’
A
advogada criminal Paola Alcântara explicou que a instituição policial
costuma dar muitas justificativas para a demora nos processos, que vão
desde a falta de profissionais para realizar tarefas como ir ao fórum,
até falta de material no dia a dia. Para reverter o cenário, Paola disse
que “o aparelho estatal tem que ser melhorado, o atendimento na
delegacia tem que ser melhor”. Ela acrescentou: “É necessário que tenha
pessoas que sejam qualificadas efetivamente, é necessário, por exemplo,
se não é uma delegacia especializada, que tenha à disposição um
psicólogo para fazer a escuta da criança”.
“Muitas
vezes, o que precisa é um aperfeiçoamento da delegacia, um treinamento
para as pessoas e uma melhora no fluxo, na questão de agilidade e também
de boa vontade”, afirmou Paola Alcântara. A especialista explicou que,
em Minas Gerais, a gama de profissionais da Polícia Civil está baixa.
“Está mais gente saindo do que entrando”, apontou. “Tem delegacia que
não tem papel, então como é que você imprime um laudo que veio do
hospital? Às vezes não são nem as pessoas que estão ali, mas a estrutura
da Polícia Civil em si que tem problemas”, disse Paola.
‘Ela é feliz, brinca muito’
Quanto
ao estado mental da criança, Roberto Mariano disse que ela está muito
bem, e que não faz ideia do quão grave é a situação, justamente por
conta da idade. “Ela passou por um psiquiatra lá no Odilon que disse que
ela não precisaria de remédios e que ela está muito bem. Ela só vai
precisar fazer um acompanhamento psicológico daqui uns dois anos, que é
quando ela vai começar a ter a noção do que aconteceu, porque no momento
ela acha que foi uma brincadeira que ela não gostou”.
“Ela
não tem noção da gravidade, ela é muito feliz, brinca muito. A gente
pergunta se ela quer voltar a morar na outra avó ou se ela está com
saudade, e ela fala que não”, completou Roberto. O avô disse que os
familiares costumam conversar sobre corpo com a menina, o que é visto
por alguns especialistas como uma medida efetiva para a criança
identificar comportamentos não aceitáveis de outros com ela. Entretanto,
ele apontou que a forma como o assunto é abordado pode ter criado um
bloqueio na menina para não ter contado antes.
“A
psicóloga da minha filha disse que às vezes os adultos não sabem
conversar, e ela e a mãe da minha neta estão sempre falando que ‘não
pode deixar acontecer’, e às vezes isso pode ter bloqueado nela de ter
contado antes”. Roberto Mariano acrescentou que isso também pode ter
causado na menina um sentimento de culpa, como se ela tivesse deixado
acontecer o ocorrido”.
Estupro de vulnerável
O
crime de estupro de vulnerável está previsto no art. 217A do Código
Penal e se trata do estupro praticado contra pessoas que não têm
discernimento ou não conseguem oferecer resistência – como em casos de
embriaguez, enfermidade ou ainda se a vítima estiver dormindo.
Além
disso, qualquer prática de ato libidinoso ou sexo com menores de 14
anos de idade também se configura como estupro de vulnerável – ainda que
dentro de um relacionamento ou que a vítima diga que houve
consentimento. Segundo a legislação, essa caracterização ocorre por se
considerar que, até os 14 anos, um indivíduo ainda não desenvolveu
maturidade suficientemente adequada para consentir.
Apenas
no primeiro semestre de 2020, Minas Gerais registrou 1.468 ocorrências
desse tipo de crime – uma média de quase sete por dia -, conforme um
balanço da Polícia Civil divulgado pelo BHAZ (veja aqui). A maioria
deles foi justamente contra crianças – especialmente meninas – na faixa
etária considerada incapaz de consentir e praticados por pessoas do
convívio próximo das vítimas, muitas vezes pais e familiares.
A
legislação brasileira prevê ainda que, caso um estupro acarrete em uma
gravidez, o aborto é permitido – assim como em casos de risco à vida da
gestante e anencefalia do feto, únicas três situações em que a
interrupção da gravidez não é considerada um crime.
Primeira nota da Polícia Civil na íntegra
A
Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que as investigações
envolvendo o caso, a cargo da Delegacia Especializada de Atendimento à
Mulher (Deam) em Vespasiano, estão avançadas. A PCMG aguarda deferimento
do Poder Judiciário quanto ao pedido de escuta especializada para a
vítima, além de laudos médicos complementares. Outras informações serão
prestadas em momento oportuno.
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