terça-feira, 2 de maio de 2023

Defender direitos da criança e do adolescente: a rotina dos Conselheiros Tutelares.


O órgão que defende o direito das crianças e dos adolescentes: com essa frase, a conselheira Rosane Curto, 60 anos, destacou o papel do Conselho Tutelar (CT) quando a reportagem esteve na sede do CT Sul de Caxias, na quinta-feira (27). Muitas vezes, a comunidade confunde quais são as atribuições e como funciona a rotina deles. Não há mais espaço para isso - principalmente para quem pensa em se candidatar ao cargo. Inclusive, até domingo (30), interessados podem se inscrever para as eleições que ocorrem em 1º de outubro. 

As eleições são conduzidas pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica). A presidente do conselho, Ana Maria Franchi Pincolini, lembra que uma confusão comum sobre os conselheiros é acreditar que eles são uma espécie de polícia ou que "tiram as crianças dos pais": 

— Na verdade, o papel do CT não é este: o papel dele é trabalhar para que os direitos das crianças sejam garantidos, e, muitas vezes, isso passa por encaminhar os pais e as crianças/adolescentes para atendimentos na rede pública. O que é um direito violado: uma criança tem direito à educação e saúde, por exemplo. Se ela não consegue vaga na escola, se não consegue acesso a determinado tratamento, ela está em violação de direitos, e o CT vai orientar a família e requisitar serviços públicos para garantir esses direitos. Nos exemplos que dei, é o próprio Estado que está violando os direitos. 

Há casos em que pais ou responsáveis violam os direitos das crianças, como agressão ou negligência. Nestas situações, o Conselho também vai procurar realizar os encaminhamentos necessários para órgãos competentes para o atendimento das crianças e adolescentes, ou até para uma investigação, se for o caso. 

— Pela importância da função, o CT é um órgão que se articula com outros órgãos de defesa de direitos da criança e do adolescente. Embora seja independente deles, já que é autônomo. Ele interage, por exemplo, com o Ministério Público, o Poder Judiciário, a Defensoria Pública, a Delegacia da Criança. 

O Conselho Tutelar, assim, busca garantir às crianças e adolescentes direitos como a saúde, educação, assistência social, habitação, cultura, lazer, esporte e documentação civil básica. 

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O dia a dia de uma conselheira

A conselheira Rosane, citada no início da matéria, observa que a prática mostra novas nuances da lei e como realmente é o trabalho do Conselho Tutelar - inclusive, ela sugere um curso de capacitação na prática aos novos conselheiros. Ela se aposentará no final do atual mandato, após 22 anos de serviços prestados ao órgão. Rosane, carinhosamente chamada de Geni Peteffi do CT, quer deixar este legado para os colegas e para os próximos conselheiros: aprender com a prática e agir sempre com a razão. 

— Eu gosto de falar na prática porque teoria, letra, é tudo frio. A prática é que vai te dar o rumo para aquela criança e aquele momento — destaca a conselheira. 

A reportagem passou parte da tarde de quinta no Conselho Tutelar Sul observando a rotina de Rosane e de outros conselheiros - Caxias tem também o Conselho Tutelar Norte, com mais cinco pessoas. No espaço, os funcionários realizam atendimentos com famílias e dão os encaminhamentos necessários. Os CTs têm um cartório cada para estes trâmites. 

Durante a tarde corrida, os conselheiros, em suas salas, recebiam famílias e pais, para diferentes situações. Foi durante um e outro atendimento que a reportagem conseguiu conversar com Rosane. 

O trabalho essencial para a comunidade é, principalmente, administrativo - o que pode surpreender muitos caxienses. Em muitos casos, quem tem o primeiro contato com a situação, como ordena a lei, são autoridades, como a polícia.

— As pessoas não têm a clareza da atribuição. A primeira abordagem é policial, não é o Conselho Tutelar. Por exemplo, houve um abandono de incapaz e a criança estava sozinha. As pessoas já falam: "onde estava o Conselho? Não veem que a criança estava sozinha?". Por lei, abandono de incapaz é crime. Se é crime, a primeira abordagem é policial — exemplifica Rosane. 

Neste caso, por exemplo, a polícia compartilharia a situação com o Conselho Tutelar, que buscará a rede de assistência à criança e ao adolescente. Ou seja, poderá encaminhar para um atendimento médico, de apoio psicológico ou se for o caso, de acolhimento. 

A cena que o conselheiro anda em uma espécie de viatura pela cidade é uma mera criação do imaginário popular. Aliás, os conselheiros têm apenas um turno semanal cada para realizar visitas à famílias ou verificar situações de denúncia. Nestes casos, eles recebem um ofício solicitando esta averiguação. 

A rotina
Os conselheiros possuem expediente de segunda à sexta, de 8h às 12h e de 13h30min às 17h30min (muitas vezes, o horário se estende pela demanda). Após isso, um funcionário fica de plantão para a toda cidade - da mesma forma que ocorre aos finais de semana. O trabalho é ininterrupto. 

Dentro da rotina, os conselheiros atendem denúncias que podem chegar da comunidade, de escolas, unidades de saúde ou até das autoridades, até mesmo do Ministério Público (MP) e do Judiciário, e ainda possuem agendamentos. Os atendimentos são dos mais diversos temas, como saúde, educação, segurança dos menores, entre outros. Todos os dias, um servidor é a referência para as denúncias, enquanto os outros cumprem mais obrigações. 

Por mais que friamente o trabalho seja administrativo, na prática, se mostra crucial para a proteção das crianças e adolescentes. É o feeling que Rosane orienta que os colegas tenham, principalmente quando recebem ou visitam famílias que são alvos de denúncia ou realizam uma. 

— Por exemplo, eu posso estar atendendo uma pessoa por uma questão de escola. Mas, durante o atendimento eu posso ver que surgiu uma situação grave, como de abuso sexual. Eu não posso olhar e pensar que era só uma situação de escola. Eu não sei o que vou encontrar. E aí, com essa situação de abuso sexual, eu preciso aplicar imediatamente uma medida, até mesmo durante o atendimento — relata Rosane, pontuando que "cada caso é um caso". 

Por isso que Rosane aconselha que os colegas devem utilizar a razão em todas as situações, até mesmo quando vão verificar in loco. O conselheiro, por exemplo, pode ser enviado a um local para verificar uma situação de maus-tratos, mas ao chegar lá, pode se deparar com abandono de incapaz e ter que resgatar a criança. 

Não tira dos pais
Há quem imagine que o papel do Conselho Tutelar é "tirar os filhos dos pais". Entre relatos dos mais diferentes casos, Rosane lembra que o acolhimento em abrigos é utilizado em casos extremamente necessários. Antes, os pais ou responsáveis, por meio de advertência, são orientados e auxiliados para que isso não ocorra. A conselheira destaca que esgotam todos os recursos antes de chegar neste ponto ou até mesmo em caso da criança ser colocada para adoção. 

— Desde que eu entrei no Conselho Tutelar, meu maior receio era ser alguém que vai atrapalhar a família. Eu quero que haja o fortalecimento de vínculos familiares e que aquele núcleo consiga desenvolver as suas atividades e aquilo que necessitam no seio familiar, e da sua cultura também. Eu não posso querer que eles tenham uma cultura igual daquele que teve mais informações, mais condições... esse olhar temos que ter — lembra Rosane. 

Base forte
Para quem pensa em ser conselheiro, Rosane lembra que é necessária uma base forte. São muitas situações diariamente, principalmente que podem chocar ou mexer com as emoções de quem não está acostumado com esta rotina. 

— Para atuar como conselheiro - e essa é uma opinião minha - tem que ter uma estrutura espiritual, física e emocional. Se não, não aguenta o tranco. Eu costumo dizer, tem que ter uma vocação, um perfil. Não pode agir na emoção ou no sentimento. Tem horas que tem que estar na razão para dar o senso crítico — pondera Rosane. 

Fora a base forte, Rosane deixa conselhos aos colegas, como registrar toda documentação e linha do tempo dos casos. Os dados servem para análises minuciosas de cada situação - o que faz os colegas também lembrarem da conselheira como uma detetive. 

— Temos que honrar os centavos que recebemos. É um trabalho muito árduo o do Conselho. Tu está lidando com famílias. É um trabalho de muita responsabilidade — pontua Rosane. 

No fim deste ano, quando Rosane deixar o Conselho, a servidora encerrará a trajetória de duas décadas com orgulho. Apenas dessa vez, a conselheira deixou a emoção fluir e emocionou-se ao comentar o que sente ao pensar sobre todo o trabalho realizado até aqui: 

— Muito feliz com o trabalho. Um trabalho que me deu uma bagagem forte de conhecimento e de tudo sobre família. Entender as famílias. Hoje, eu consigo entender. Eu posso dizer que eu posso ajudar uma família de uma maneira melhor. E isso me dá uma satisfação como ser humano.

Eleições
As inscrições para escolha dos membros do Conselho Tutelar de Caxias se encerram neste domingo. O processo tem três etapas: uma prova escrita, no dia 16 de julho; uma avaliação psicológica, de caráter eliminatório; e a eleição em 1º de outubro, por meio de voto direto, secreto, universal e facultativo dos eleitores do município. Serão eleitos 10 titulares e suplentes, para um mandato de quatro anos. O edital com todas as normas, datas e procedimentos do processo foi publicado no Diário Oficial do Município e está disponível, na íntegra, no site da Rede de Atenção à Criança e do Adolescente. Os conselheiros eleitos tomarão posse em 10 de janeiro de 2024.

Fonte: Gaúcha ZH



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