segunda-feira, 4 de julho de 2022

Adolescente afastada da mãe após rito de iniciação no candomblé volta para casa.


Após 40 dias em um abrigo, a adolescente de 13 anos que foi levada pelo Conselho Tutelar sob suspeita de maus tratos pôde voltar para casa. Ela retornou ao ambiente familiar na última quarta-feira (29) após uma decisão judicial que entendeu ter havido preconceito religioso no caso.

O juiz do fórum de Ribeirão das Neves, na Grande BH, determinou que ela voltasse para casa tendo como base o relatório do serviço social da cidade, que viu preconceito religioso no caso.

"Embora evidenciada a legítima intenção de proteger a adolescente, a ação dos agentes públicos revelou autoritarismo e racismo religioso. a família vai pedir indenização", diz o relatório.
A mãe da adolescente denunciou preconceito religioso por parte de funcionários da escola em que a adolescente estuda e de conselheiros tutelares.

Relembre o caso
A história começou em janeiro, quando a menina teve alguns desmaios em casa.

"Ela dava aquela crise, desmaiava, daí a pouco voltava. Aí eu perguntava se ela tava bem, aí ela: 'tô bem, mamãe'", narra a mãe da adolescente ao Fantástico, sem se identificar.
Preocupada com a situação e seguidora do candomblé, a mulher decidiu levar a filha a um processo de iniciação espiritual que durou três dias. Depois disso, a adolescente voltou às aulas e, segundo a família, passou a sofrer preconceito da direção da escola.

"Depois que ela fez essa limpeza espiritual, passou uma semana na escola de turbante e, de acordo com o depoimento da mãe, a escola informou que a filha não precisava de mostrar aquilo", conta Isabela Cristina Dario, advogada da família.
Em fevereiro, a escola levou a jovem até uma unidade de saúde, depois de ela passar mal.

O laudo do atendimento na unidade descartava, a princípio, qualquer problema neurológico, mas recomendava consulta com um especialista. A mãe foi chamada para uma reunião.

"Só que no sus eu não encontrava [esse atendimento]. foi aí que eu juntei dinheiro, tava juntando dinheiro pra procurar esse médico, aí não deu tempo", conta a mãe.
Em maio, a menina teve outra crise na escola. Dessa vez, a direção acionou o conselho tutelar, que voltou ao início da história, àquele episódio de janeiro, da iniciação espiritual.

Foi aberto um boletim de ocorrência em que as conselheiras, chamando erradamente de umbanda a prática do candomblé, relatando ferimentos nos braços da menina depois do retiro espiritual. Contam também que, de lá para cá, ela teve crises de convulsão na escola e que a mãe apresentou "comportamento de resistência", alegando que as convulsões eram um problema relacionado à prática religiosa. No fim, a mãe foi acusada de sequestro e cárcere privado.

A sacerdotisa Iya Andréa de Oya repudia a acusação e explica que o isolamento no candomblé não pode ser considerado cárcere privado.

"As pessoas que são iniciadas em contato com o sagrado, e nós não queremos que a energia do portão pra fora venha nos atrapalhar. Uma energia de turbulência, de confusão, ou até mesmo de tristeza", esclarece a sacerdotisa.
Sobre as marcas no corpo da menor, nega que sejam ferimentos.

"São pequenos riscos que se faz sobre a pele do iniciado. seja ele adulto ou criança; são pequenos traços. Nada de tortura, nada pra machucar, nem pra fazer mal", complementa Oya.
O Conselho Tutelar acionou o Ministério Público, que pediu à Justiça o acolhimento da menor. Dois dias depois, em 20 de maio, a adolescente de 13 anos foi retirada dos cuidados da mãe e levada para um abrigo da Prefeitura de Ribeirão das Neves.

O exame de corpo de delito para investigar os supostos maus tratos foi feito só no dia 15 de junho, quase um mês depois do recolhimento da criança e quatro meses após o retiro espiritual. A advogada da família afirma que o afastamento foi precipitado.

"Existem outras medidas que o conselho tutelar pode tomar. Comparecer na casa da criança pra ver como que tá a situação da infante, ver como está as notas na escola, acompanhar a mãe e, se possível, se ver que tem algum problema, fazer um encaminhamento para o psicólogo ou neurologista, e não foi feito nenhum fato desse", defende a advogada Isabela Cristina Dario.
Em nota, o Ministério Público de Minas Gerais reafirmou que os motivos do afastamento de mãe e filha foram violação de integridade física, restrição de liberdade e omissão de busca por tratamento de saúde.

O Conselho Tutelar avisou que não dará informações sobre o caso, observando o sigilo profissional. disse que continuará atuando com a finalidade de garantir a proteção e os direitos de crianças e adolescentes. A escola que a menor estuda não quis se manifestar.

No dia 23 de junho, a advogada da família entrou com um mandado de segurança para que a menor voltasse para casa.

"Todas as pessoas que influenciaram nesse caso, nessa violência que foi feita com essa menor e com essa mãe vão ser responsabilizados pelos atos que elas cometeram, principalmente os atos que eivaram de racismo religioso", diz a advogada Isabela Dario.
Para o sacerdote Pai Guaraci, doutorando em ciências da religião, a orientação médica pode entender os benefícios da religião assim como a orientação religiosa não pode ignorar a ciência.

"Cada vez mais entende-se que a ciência e a religião podem, sim, caminhar paralelamente. Tem que procurar um médico e tem que ter essa orientação, também, paralelamente com os cuidados religiosos", argumenta.
Assistentes sociais da Prefeitura vão monitorar o acompanhamento médico e psicológico da adolescente.

"Eu tive medo deles não devolver a minha filha, sabe. Fiquei muito aflita mas, graças a Deus, deu tudo certo", conta a mãe, aliviada.
"Eu agora tô me sentindo livre aqui dentro de casa. Aqui eu posso brincar na rua, posso mexer no celular. Lá não podia fazer essas coisas. Não podia nem chegar no portão. De noite tinha vez que eu chorava, dormia chorando e acordava chorando de saudade", relembra a adolescente.

Fonte: G1

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