sábado, 22 de janeiro de 2022

Escolas públicas não podem impedir matrícula de não vacinados.


Em alguns estados e municípios, a apresentação de caderneta de vacinação atualizada é um dos documentos exigido para matrícula escolar, mas a vacina contra a Covid-19 não está prevista no Plano Nacional de Imunização (PNI). Na imagem, vacinação contra a Covid-19, no Rio de Janeiro.| Foto: José Cruz/Agência Brasil

Afinal, escolas podem exigir comprovante de vacina contra Covid-19 na hora de fazer a matrícula ou de permitir que as crianças frequentem as aulas? Essa preocupação tem sido rotina entre os pais que não querem ou ainda não decidirem se vão vacinar seus filhos contra a doença. Em muitos estados e municípios, a apresentação de caderneta de vacinação atualizada é um dos documentos exigido para matrícula escolar, mas a vacina contra a Covid-19 não está prevista no Plano Nacional de Imunização (PNI). Mesmo assim, e com o Ministério da Saúde confirmando que a imunização contra a Covid-19 não é obrigatória e só pode ser aplicada com o consentimento dos pais, muitos têm dúvidas se os governos dos estados e municípios poderão criar algum tipo de imposição ou penalidade contra aqueles que não vacinarem os filhos.

Juristas são unânimes em afirmar que vacinadas ou não, contra qualquer doença – incluindo a aplicação de imunizantes do PNI – as crianças não podem ser impedidas de serem matriculadas ou de frequentar a escola, pelo menos nas instituições da rede pública de ensino. Isso ocorre porque toda criança tem o direito constitucional de acesso à educação. “Não há cabimento em impedir uma criança de entrar na sala de aula por falta de comprovante de vacina. Seria um atentado direto do ente público contra o direito constitucional à educação”, garante o especialista em Direito Público Eduardo Silveira.

Ele ressalta que vários artigos da Constituição (como o 6º, o 205 e 227) são bastante claros em dizer que a educação é um direito de todos e que é um dever do Estado – assim como da família. Assim, seria inconstitucional o Estado, responsável pela gestão da rede pública de ensino, vedar a matrícula ou a entrada de uma criança em sala de aula. Silveira observa ainda que nenhuma das leis estaduais ou municipais que determinam a exigência de apresentação de carteira de vacinação considera a falta do documento um impedimento à matrícula ou acesso à escola, estabelecendo apenas prazo para regularização. Apenas após o fim desse prazo é que poderiam ser tomadas outras medidas, como o contato com o Conselho Tutelar ou Ministério Público.

O advogado ressalta ainda que todas essas leis estaduais e municipais que pedem a regularização da carteira de vacinação pela PNI se apoiam no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), que prevê em seu artigo 14 que a vacinação de crianças é “obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Estados como Paraná, Bahia, São Paulo, Ceará, Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, entre outros, já possuem esse tipo de legislação. As vacinas obrigatórias protegem contra doenças como sarampo, paralisia infantil, coqueluche, entre outras.

Posições discordantes

Mesmo com o Ministério da Saúde tendo deixado claro que a vacinação de crianças não é obrigatória e que só pode ocorrer com a anuência dos pais, ainda há quem defenda que a vacina contra Covid-19 seja obrigatória, como considerou recentemente o Ministério Público do Ceará. Mas mesmo nesse cenário, em que a vacina seja considerada obrigatória, as crianças não podem ser punidas, como explicou o promotor Lucas Azevedo, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude (CAOPIJ) do MP-CE.

Ele lembra que o artigo 227 da Constituição trata a criança como prioridade absoluta. Estado, família e sociedade compartilham o dever de trabalhar defesa dos direitos das crianças, incluindo o direito à vida, saúde e educação. Assim, todas as ações judiciais a serem tomadas pelas autoridades em relação à criança devem ser pautadas pela garantia desses direitos. De acordo com Azevedo, não podem ser tomadas medidas que signifiquem uma penalização da criança ou que tragam mais malefícios que benefícios. Impedir uma criança de frequentar a escola por não ter sido vacinada contra Covid-19 ou ainda tirar uma criança do convívio familiar porque os pais não querem que ela receba a vacina contra Covid seriam exemplos de medidas, na avaliação do promotor, absurdas.

O advogado Silveira concorda com o promotor. “Na hipótese, a meu ver exagerada, de um pai ou uma mãe ser acionada na Justiça por não vacinar o filho contra Covid-19, um juiz avaliaria não apenas a questão da vacina em si, mas também todas as circunstâncias familiares envolvidas. Seria loucura tirar o poder pátrio de uma mãe ou um pai apenas por causa disso”, argumenta. Para ele, mesmo que no momento ainda exista certa nebulosidade em relação ao direito de os pais não vacinarem seus filhos, com o tempo e amadurecimento das discussões, o tema deverá ser clarificado. Até lá, deve prevalecer o bom senso.

Escolas privadas têm autonomia   

Já nas escolas particulares, há autonomia para adotar ou não a obrigatoriedade. Entretanto, a orientação da Federação Nacional das Escolas particulares (Fenep) é a de que as instituições de ensino não exijam comprovante de vacina para retomada das aulas.

Na hipótese de os pais não concordarem com o posicionamento da escola sobre esse tema, é possível mudar a criança de colégio ou ainda se mobilizar, como fizeram os pais da Escola Americana (EARJ), no Rio de Janeiro. No começo do ano, por meio de um comunicado interno dirigido aos pais, o colégio anunciou que crianças de 5 a 12 anos deveriam apresentar comprovante de vacina para frequentar as aulas. O objetivo, de acordo com a EARJ, era fomentar que todos os alunos para os quais a vacina estivesse disponível fossem vacinados.

A reação dos pais foi imediata. Eles criaram um abaixo-assinado contra a exigência. “Assine essa petição se você desejar que a diretoria da EARJ saiba que você, só você, deve ter o controle sobre decisões médicas relacionadas aos seus filhos, e que as recentes diretrizes devem ser revogadas”, começa o abaixo-assinado. Até a manhã desta sexta-feira (21), o documento tinha 728 assinaturas. No texto do abaixo-assinado, os pais argumentam que a vacinação das crianças deve ser uma atribuição dos pais, “não cabendo ao diretor da escola ou à sua diretoria, o direito moral ou a competência médica para compelir os pais a vacinarem suas crianças, sob pena de privá-los de frequentar presencialmente a escola”. Até o fechamento desta matéria, a escola não tinha se manifestado se ia ceder à mobilização dos pais.

Pais querem mais tempo

Muitos pais ainda avaliam se vão vacinar seus filhos contra a Covid-19. Para uma mãe de três crianças com idades de 4, 8 e 11 anos de idade, e que não quis ser identificada por medo de sofrer represálias, a vacina ainda está em discussão. Ela diz que os filhos receberam todas as outras vacinas previstas para a idade, mas que ainda têm dúvidas em relação a esta específica. “Eu estou pesquisando sobre o assunto. Não quero tomar uma decisão precipitada. Eu e meu marido já tomamos a vacina, mas estamos aguardando um pouco, ver como a vacinação nas crianças se desenrola. Vou consultar nosso pediatra também”, explica.

Ainda segundo ela, a família continua com os cuidados básicos de saúde, como lavar as mãos, manter os ambientes arejados e evitar aglomerações. “Na verdade, isso a gente sempre fez, antes mesmo da pandemia já tomávamos esses cuidados”, diz.

Sobre a questão da exigência do comprovante de vacinação para matrícula das crianças, a mãe, que mora no estado de São Paulo, diz que já apresentou a carteira de vacinação das crianças para a escola onde eles estudam. Desde 2020, uma lei estadual determina que no ato de matrícula a carteira de vacinação deve ser apresentada. “Quando fiz a pré-matrícula das crianças não falaram nada a respeito da vacina contra Covid-19. Vamos ver o que acontece daqui para frente”, diz a mãe.

Fonte: Gazeta do Povo

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