quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Relatora propõe mudanças em projeto que permite acolhimento provisório de crianças por famílias na fila de adoção.


Especialistas apontaram problemas no Projeto de Lei 775/2021, que permite às famílias que se encontram na fila de adoção atuar como famílias acolhedoras e ter prioridade na adoção da criança ou adolescente acolhido, e elogiaram as mudanças propostas no texto pela relatora, deputada Carla Dickson (Pros-RN). O assunto foi debatido nesta terça-feira (26), em audiência pública na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados.

Famílias acolhedoras cuidam da criança ou do adolescente até que eles retornem à suas famílias de origem ou sejam encaminhados para adoção, recebendo uma ajuda de custo do governo para isso. Trata-se de uma alternativa ao acolhimento institucional em abrigos ou casas-lares. Pela regra atual, as famílias acolhedoras não podem estar na fila de adoção

Promotor público no Ministério Público de Tocantins, Sidney Fiori destacou que o projeto de lei confunde os papéis de acolhimento – que é sempre temporário – com a adoção – que é definitiva.

A família acolhedora inclusive recebe capacitação para ajudar no processo de reintegração da criança em sua família biológica. O principal objetivo do acolhimento é essa reintegração à família de origem. Ele acredita que o projeto de lei pode prejudicar esse objetivo, além de oficializar o "furo" na fila de adoção.

Continua após a publicidade


Segundo o promotor, o conceito de acolhimento familiar "ainda engatinha" no Brasil – foi implementado a partir da Lei 12.010/09 –, e tem que ser fortalecido. "Infelizmente, o PL 775/21 está trazendo prejuízo a esse fortalecimento. Por enquanto, no Brasil, segundo estudos, menos de 5% das crianças estão em serviço de acolhimento familiar, ou seja, 95% ainda estão em instituições de acolhimento. Então a gente precisa melhorar, implantar nos municípios, expandir os serviços, e esse PL pode trazer severos prejuízos", alertou.

O promotor apresentou dez outras sugestões de modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para facilitar a adoção. Entre elas, reduzir prazos legais para localização dos pais quando há abandono do bebê; retirar restrições para padrinhos afetivos adotarem; priorizar o acolhimento familiar em diversos dispositivos; assegurar a oitiva da criança e do adolescente no processo de reintegração familiar; e, se for muito improvável a reintegração, lastreada por estudos, reduzir prazos para o juiz colocar a criança em guarda para alguém que está na fila de adoção.

Novo texto
Carla Dickson adiantou que vai apresentar, na próxima semana, substitutivo ao projeto, contemplando as sugestões do Ministério Público e da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania. Ela disse que os autores do projeto, os deputados General Peternelli (PSL-SP) e Paula Belmonte (Cidadania-DF), tinham o objetivo de agilizar o processo de adoção, mas a despeito da boa intenção, a proposta pode, ao contrário, atrapalhar o processo.

Em vez de apresentar parecer contrário ao projeto, ela optou por apresentar texto alternativo com medidas que podem fortalecer o acolhimento familiar e facilitar o processo de adoção.

"Pelo contrário, fazer do limão uma limonada, no sentido de transformar esse importante projeto de lei, que a princípio, como bem falou o senhor Sidney, atrapalharia um pouco o trâmite da adoção, em algo benéfico que, alterando o ECA, poderemos dar celeridade e agilidade e uma possibilidade de família para tantas crianças que estão esperando por aí", explicou.

A deputada Paula Belmonte concordou com as mudanças sugeridas ao projeto.

Sugestões do governo
A assessora da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania, Juliana Pereira, apontou os mesmos problemas que o promotor no projeto de lei e elogiou os ajustes feitos no texto pela relatora. Embora não tenha sido apresentado formalmente pela relatora, o texto foi disponibilizado aos convidados.

Segundo Juliana, a maioria das crianças em acolhimento volta à família de origem e quem passa mais tempo em acolhimento são justamente aquelas crianças e adolescentes considerados “de difícil colocação em adoção", como grupos de irmãos que não devam ser separados, crianças acima de 8 anos ou com deficiências.

"Um dado do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] mostrou que, em 2020, 77% do total de crianças e adolescentes disponíveis para adoção sem pretendentes eram adolescentes, ao passo que apenas 0,3% dos pretendentes aceitavam adotar um adolescente", disse.

Para melhorar esse cenário, ela sugeriu que a lei priorize no País o acolhimento familiar em detrimento do institucional, sobretudo para a faixa etária de adolescentes, o que hoje fica a critério do juiz. Com a mudança proposta, o juiz terá que justificar quando não encaminhar a criança ou adolescente para o acolhimento familiar.

Além disso, a assessora sugeriu, entre outros pontos, que o atendimento dos adolescentes acolhidos passe a contemplar, a partir dos 14 anos, ações para fortalecer a sua autonomia e ingresso no mercado de trabalho e, assim, prepará-lo para o desligamento do acolhimento.

Direito das crianças
Secretária Nacional da Família no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Angela Vidal Gandra reiterou que adoção e acolhimento são institutos diferentes, e que é preciso evitar a seletividade no processo de adoção. "O direito é das crianças, e não dos pais de adotar", disse. A secretária disse que vai encaminhar à relatora nota técnica, elaborada em conjunto com a Secretaria Nacional da Criança e do Adolescente, com sugestões para o texto.

A secretária-adjunta da Secretaria Nacional da Família, Fernanda Ramos Monteiro, esclareceu que a nota técnica sugere que o acolhimento familiar seja fortalecido, já que crianças que estão em instituições se desenvolvem de forma diferente das que estão em acolhimento familiar – estas conseguem ter fortalecimento de vínculo mais afetivo.

Apoio ao substitutivo
Juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Sérgio Luiz Ribeiro concordou que o projeto original é contrário ao interesse da criança e do adolescente, enfraquecendo o serviço de acolhimento familiar e encorajando a burla da fila de adoção, e elogiou a proposta de substitutivo.

Promotor Público do Ministério Público de Minas Gerais, André Tuma também elogiou o texto por fortalecer os processos de "busca ativa" de famílias para adotar crianças e adolescentes considerados "de difícil colocação", por fortalecer o acolhimento familiar e por garantir o direito da informação para mulheres grávidas que pretendem entregar filhos para a adoção.

Este foi o segundo debate sobre esse projeto de lei na Câmara dos Deputados. O texto também foi discutido em abril na comissão externa que analisa políticas para a primeira infância, quando também foi criticado pela maior parte dos especialistas ouvidos.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

Nenhum comentário:

Postar um comentário