Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece garantias longes de serem cumpridas no país. Lei foi responsável pela criação dos conselhos tutelares
POR LUCAS MORAIS
Em vigor há exatos 30 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) representou avanços na garantia ao acesso à educação de qualidade, profissionalização, além dos direitos e deveres da cidadania, mas ainda enfrenta uma série de desafios
Se o ECA fosse plenamente cumprido, histórias como a de Gabriel Lucas de Souza, 20, que entrou para o mundo do crime aos 14 anos, poderiam ser reescritas e ter um final feliz.
Sem emprego e com dificuldades financeiras dentro de casa, o jovem, que abandonou a escola na sexta série do ensino fundamental, encontrou no tráfico de drogas a única porta aberta para ajudar o sustento da família após perder o emprego em uma padaria.
Depois de 16 passagens pelo Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA-BH), o adolescente chegou a ser internado em um centro socioeducativo, medida aplicada para crimes graves.
Para reduzir o tempo de permanência na instituição, Souza resolveu participar de um programa de profissionalização, oferecido pela Rede Cidadã. “No início, entrei no projeto só para sair um pouco da cela, não queria tanto. Mas quando iniciei o curso consegui um trabalho, vi nessa oportunidade uma chance para mudar de vida”, conta.
Novos caminhos
Foi assim que a transformação na vida do jovem infrator começou. “Quando você está no tráfico, acha que não pode mudar, não tem outro caminho. Esse programa me deu tudo o que precisava, até a minha família chegou a desacreditar de mim. Foram pessoas que me acolheram de braços abertos”, comemora.
Hoje, Souza trabalha com jovens que querem deixar as drogas e o álcool no Centro Mineiro de Toxicomania, em Belo Horizonte, e se tornou um embaixador da instituição. Ele ainda está se formando no ensino médio, pretende tirar a carteira de motorista e fazer um curso para se tornar técnico de enfermagem.
Estrutura de apoio ainda é deficiente
Educadora social e coordenadora da Rede Cidadã, Vera Inês Magalhães defende a ampliação do acesso aos programas de profissionalização e também à educação de qualidade para que crianças e adolescentes não sejam aliciadas para o crime.
"Caso tivéssemos mais oportunidades para esses jovens dentro das empresas, com toda certeza seríamos um país melhor. Quando ele entra para um programa de aprendizagem e recebe uma capacitação, começa a criar novas perspectivas, abrir um leque em sua vida, ver que é possível montar o próprio negócio, ter um emprego", enfatiza.
Entre os trabalhos desenvolvidos pela entidade, que atende jovens em situação de vulnerabilidade por todo o país, estão os programas implementados nos centros socioeducativos.
De acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, ao todo 1.051 adolescentes estão internados atualmente nas unidades mineiras – a maioria por crimes como roubo à mão armada e tráfico de drogas.
O promotor de Justiça de Defesa das Crianças e dos Adolescentes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Márcio Oliveira, compartilha o argumento da Vera. Para o magistrado, apesar do país ter uma boa legislação sobre as medidas para crianças e adolescentes que cometeram crimes, a implementação da política socioeducativa ainda caminha a passos lentos.
"Não temos, por exemplo, unidades de internação suficiente para atender a demanda em vários Estados. Minas Gerais tem uma carência de mais de mil vagas para medidas de internação", afirma.
E das poucas unidades que existem, o promotor lembra da falta de estrutura. "Funcionam precariamente, não tem manutenção adequada e ainda existe muita violência institucional. Não há um plano de formação continuada dos profissionais, que deveriam atuar em um modelo especializado para os jovens, mas acabam reproduzindo o sistema prisional e isso não contribui em nada", declara.
Mas o promotor do MPMG cita também os grandes avanços alcançados após a implementação do ECA, como a presença dos conselhos tutelares em praticamente todas as cidades do país. "Onde antes não havia nada, passamos a ter um órgão colegiado em cada cidade para fiscalizar o respeito aos direitos da infância e da juventude", afirma.
Novas vagas
O sistema socioeducativo de Minas Gerais possui hoje 25 unidades de internação e 12 casas de semiliberdade, somando 1530 vagas. Atualmente, não há superlotação nas unidades. A Subsecretaria de Atendimento Socioeducativo (Suase), da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), reconhece a necessidade de expansão do sistema e têm feito esforços de forma contínua para esse fim. Nesta segunda-feira (13/7), data em que se comemora os 30 anos do ECA, será assinado um pacto entre o governo de Minas e Ministério Público que prevê a expansão de vagas.
Até o fim deste ano, por exemplo, estão previstas 80 novas vagas nas novas unidades de internação de Frutal e Tupaciguara e outras 80, até junho de 2021, em Alfenas.
"Ressaltamos ainda que o sistema socioeducativo mineiro possui compromisso absoluto com os eixos de eixos da educação, profissionalização, esporte, cultura, saúde e família, para além da responsabilização dos adolescentes frente aos seus atos. Há escolas regulares em todas as unidades, com 92% dos jovens estudando – área importante considerando a média de 4 anos de defasagem escolar dos jovens em conflito com a lei. E, que mesmo durante a pandemia, todos os projetos pedagógicos foram mantidos", diz trecho da nota enviada pela Sejusp.
Trabalho infantil e exploração sexual
Para a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Luciana Coutinho, apesar do ECA trazer mecanismos para acabar com o trabalho infantil e a exploração sexual das crianças e dos adolescentes, o país ainda não conseguiu erradicar o problema.
"A situação que hoje não é aquele trabalho forçado junto a empreendimentos e empresas, mas dentro do núcleo duro, que é a informalidade, quando vemos adolescentes vendendo balas nos sinais, dentro das residências, no tráfico de drogas e nas áreas rurais", exemplifica.
E diante dessa nova realidade, que segundo a magistrada é ainda mais difícil de ser combatida, as denúncias são o principal artifício para acabar com a situação.
Só em Minas Gerais, 350 mil casos de trabalho infantil foram flagrados pelo Censo 2010, última estatística disponível – nas rodovias que cortam o Estado. A Polícia Rodoviária Federal já identificou 184 pontos com riscos de exploração sexual e comercial dos jovens.
"O grande problema é a concretização efetiva dos direitos assegurados no ordenamento jurídico, como a não trabalhar, salvo nos casos de aprendizagem e na idade apropriada", conta.
Já Elvira Consenday, que faz parte do Fórum de Erradicação e Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente, diz que a situação pode até piorar por conta da pandemia do coronavírus e do agravamento da crise econômica no país.
"O pleno desemprego fará com que os responsáveis e também as crianças e adolescentes, para não passarem fome, vão trabalhar em situação irregular. A educação integral. que já foi uma rápida realidade nas escolas estaduais de Minas Gerais, teve um retrocesso e poucas escolas permanecem nessa condição, contribuindo também para a volta ao trabalho infantil. As políticas de assistência social está contingenciada por 20 anos", resume.
fonte: https://www.otempo.com.br
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