segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Carta vazada resultou em investigação que condenou Igreja Católica da PB por casos de abuso sexual

Foto: Reprodução/ CNBB


Supostos casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes resultaram em uma multa milionária à Igreja católica da Paraíba. Os casos passaram a ser investigados após o vazamento de uma carta-denúncia, que narravam os casos de abuso e que teria o envolvimento do ex-arcebispo do estado, Dom Aldo Pagoto.
A igreja tem mais de 400 anos de história, uma história que, nos últimos tempos, vem sendo manchada. Sob o sol da Paraíba a Basílica Nossa Senhora das Neves se destaca na paisagem João Pessoa, mas a igreja, procurada como refúgio para uns, pode ter sido o cenário de uma vida traumática para outros.
"Eu tinha 17 anos e meio", assim começa a declaração do rapaz que foi assistente de missa e seminarista em João Pessoa. Ele conta que recebeu, no seminário, propostas sexuais por parte dos padres e seminaristas, tanto através de palavras quanto de atos: "Pegavam nas minhas partes sexuais", disse.
"Uma falta gravíssima são adolescentes que acreditaram naquela instituição como a representação de Deus", disse o Procurador do Trabalho do Ministério Público da Paraíba, Eduardo Varandas.
Foi na Justiça Trabalhista que o processo avançou. Tudo começou em 2014, a partir de uma carta-denúncia. Uma equipe o Fantástico, da TV Globo, conseguiu localizar a autora, que teve um papel fundamental em toda a investigação. Ela ouviu conversas  que sugeriam que algo de errado estava acontecendo na igreja católica da Paraíba. A partir daí ela fez uma carta de denúncia interna na igreja. Ao vazar para o público, resultou numa investigação.
"Não aguentei mais diante de tanta coisa que ouvi e eu terminei tendo essa vontade de fazer tudo isso. Eu era amiga de jovens homossexuais frequentadores da igreja, a gente saía sempre, nessas saídas conversas que não estavam me agradando começaram a surgir. Apelidos muito feios com padres da nossa igreja, como 'louca da diocese', e por aí vai", disse.
A autora da carta contou tudo para um padre de confiança, ele foi quem redigiu a carta. Ele disse que essa carta ficaria dentro da igreja, mas o texto vazou e virou notícia.
O que foi apurado é que havia um grupo de sacerdotes, de forma habitual, que pagava por sexo a flanelinhas, a coroinhas e também a seminaristas. O crime foi definido como exploração sexual.
"A característica da exploração sexual é ausência de vontade livre para praticar o ato", disse o procurador.
O pagamento às vítimas podia ser em dinheiro, ou até em comida. O ex-seminarista conta que cedeu às investidas dos eclesiásticos pela vontade de se tornar padre.
"A palavra de ordem seria: 'passando por esse processo você vai conseguir chegar a ser padre", afirmou o ex-seminarista. "Às vezes uma conversa ao pé do ouvido 'você tá muito cheiroso', 'você tá muito lindo, muito gostoso'", completou. Ele chegava ter relações sexuais e teria se evolvido com três padres.
De acordo com a apuração da equipe do Fantástico os nomes de três sacerdotes aparecem em vários depoimentos. Jaelson Alves de Andrade, Edinaldo Araújo dos Santos e Severino Melo.
Segundo a equipe, nem o ex-seminarista e nem autora da carta quiseram se identificar, e eles tem seus motivos.
"Eles diziam que eu me calasse sobre isso, ou eu a minha vida estavam por um fio. Eles diziam que eu tivesse cuidado com quem andava falando", relatou o ex-seminarista.
A equipe do Fantástico relatou que uma palavra foi ouvida o tempo inteiro durante a apuração da reportagem: "Pressão. Pressão psicológica, tanto que duas testemunhas importantes que tinham marcado entrevista com a equipe, cancelaram em cima da hora. No entanto, aos procuradores, essas pessoas falaram.
A equipe do jornalístico teve acesso a um dos depoimentos, de um empresário que frequentava a igreja do padre Jaelson.
"A gente tinha meninas e meninos como coroinhas e depois que ele assumiu passou a ser apenas coroinhas homens, até que um dia, dois deles me procuraram. O primeiro falou comigo chorando, contou que tinha decidido sair da igreja porque um dia estava na casa paroquial e o padre Jaelson pediu que o menino passasse óleo nele durante o banho. O garoto tinha entre 14 e 15 anos".
Dom Aldo Pagoto, que renunciou ao cargo de Arcebispo da Paraíba, em meio às denúncias de abuso na igreja católica no estado, não foi localizado pela equipe do Fantástico. Ele não teria atendido as ligações nem respondido as mensagens de texto. A equipe afirmou que recebeu um e-mail, no qual o arcebispo afirmou que não comentaria o caso e que os religiosos teriam sido inocentados.
Segundo a apuração do Fantástico, os sacerdotes não teriam sido inocentados, mas a investigação teria sido arquivada na justiça comum. O Ministério Público Estadual considerou que os crimes já tinham prescrito e os fatos tinham motivos suficientes para promoção da denúncia.
A condenação para a Arquidiocese da Paraíba veio em Novembro do ano passado, na justiça do trabalho, por exploração sexual. A indenização de 12 milhões de reais, R$ 1 milhão para cada ano de Dom Aldo Pagoto esteve à frente da arquidiocese. O dinheiro deve ser usado para ação social.
"Para fundo da Infância e da adolescência e instituições congêneres, que trabalham com crianças sexualmente exploradas e atua na recuperação de crianças que passaram por esse trauma", disse o procurador Eduardo Varandas.
A equipe o jornalístico global procurou a Arquidiocese de João Pessoa, mas ninguém quis dar entrevista. Em nota, a igreja católica da Paraíba afirmou apenas que não se manifesta sobre os fatos e aspectos relacionados ao processo judicial, em virtude da tramitação do caso seguir em segredo de Justiça.
"Embora o processo siga em segredo de justiça, o poder judiciário encaminhou cópia da cedência para o Conselho Nacional e a justiça conseguiu aplicar a punição adequada", completou Eduardo Varandas.
Todos os religiosos citados negaram à justiça o envolvimento com os jovens. A igreja ainda pode recorrer da sentença.
O ex-seminarista, hoje com 27 anos, se formou em administração e direito e não desistiu de pedir por justiça.
"Queria que a justiça realmente fosse feita. Eu sei que eu sou mais um", completou.
A autora da carta de denúncia, que provocou toda investigação, disse que continua católica, e confiando em uma igreja que saiba se purificar.
"Eu queria que a igreja se limpasse, eu não denunciei a igreja, eu apenas fiz um pedido de socorro. A igreja não merece isso que tá acontecendo", finalizou.


Publicado no Portal T5 Paraíba, por Carlos Rocha
http://www.portalt5.com.br/noticias/paraiba/2019/1/180106-carta-vazada-resultou-em-investigacao-que-condenou-igreja-catolica-da-pb-por-casos-de-abuso-sexual

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