segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Para o embrião, não há aborto seguro

Contra o Aborto, de Francisco Razzo. (Foto: Divulgação)

Na semana passada, a questão do aborto voltou com força ao noticiário. No Brasil, foram realizadas pelo STF audiências públicas para debater a proposta de que o aborto não seja considerado crime quando feito até a décima-segunda semana de gravidez. Na Argentina, após ter sido aprovada na Câmara, o Senado rejeitou um projeto de lei similar, que legalizaria o aborto no país.
No ensaio “Contra o aborto” (Record, 266 pgs. R$ 42,90), Francisco Razzo – professor, mestre em filosofia pela PUC-SP, e também autor de “A imaginação totalitária” – afirma que o que se promove como debate é, na verdade, propaganda em defesa da prática. Abordando o tema sob uma perspectiva filosófica, ele procura dialogar de maneira argumentativa com o leitor.

- Como você responde ao argumento de que milhares de mulheres morrem no Brasil pelo fato de o aborto ser proibido – argumento que costuma ser associado à tese de que o aborto é uma questão de saúde pública?

FRANCISCO RAZZO: Sua pergunta traz aquele argumento padrão de quem é a favor legalizar o aborto: “mulheres morrem no Brasil pelo fato de o aborto ser proibido, logo o aborto deve ser legalizado”. Note que a premissa é questionável. Mulheres não morrem pelo fato de o aborto ser proibido, mulheres morrem porque decidiram fazer o aborto, mesmo sabendo que ele é proibido. Se o embrião é um membro da comunidade moral, seu valor como pessoa não muda, por mais lamentáveis que as coisas estejam no Brasil. Em geral, respondo o seguinte: do fato de “mulheres morrem por causa do aborto” não segue “o aborto deve ser legalizado” — e nem “proibido”.

Obviamente não estou questionando as razões de terem optado pelo aborto. É possível que elas decidam abortar em condições mais seguras e não morram? Sim, é possível. Mas não se pode colocar de lado o único problema realmente sério na questão do aborto: afinal, quem de fato morre no aborto? Sem dúvida a pessoa na condição embrionária, que morrerá tanto em aborto clandestino quanto em aborto praticado nas condições materiais mais adequadas para a segurança da mulher.

Para o embrião nunca há aborto seguro. Aborto significa muito mais “matar a vida do filho” do que apenas “interromper a gravidez”. Eu suspeito que mulheres que passam pelo drama moral do aborto pensam que vão “interromper o desenvolvimento de uma entidade biológica”. Não haveria drama, nesse caso. Mas o estado de consciência da descoberta de uma gestação não obedece a leis biológicas. Se há ali — e estou levantando uma hipótese — uma relação maternal em estado de crisálida, entre mãe e filho, então o exercício da interrupção de gravidez é muito mais complexo do que um mero problema de saúde pública.
- Você afirma que a vida humana já existe a partir do momento da concepção. Mas muitos cientistas entendem que, até determinado momento da gestação, ainda não existe um ser humano. Então esta não seria, no fundo, uma questão de crença pessoal?

RAZZO: Sim, defendo que o embrião tem dignidade e participa como membro de uma comunidade moral e sujeito detentor de direitos inalienáveis desde o momento da concepção. Para resumir: ele existe como pessoa em uma comunhão de pessoas, e não como uma coisa ou uma mera entidade biológica entre outras entidades biológicas ou físicas. E vale lembrar: ele morre como pessoa na prática do aborto. A realidade “pessoa” é invisível para o método científico. Não há método científico capaz de “ver” pessoa e dignidade. O método científico enxerga uma entidade biológica complexa, configurada de tal modo que consegue se autodesenvolver para a vida adulta caso não tenha esse processo interrompido. A ciência enxerga coisas e suas relações, mas não enxerga “alguém”. O valor de dignidade de uma pessoa não é subproduto de um processo neurobiológico.

Investigar a realidade filosoficamente não tem nada a ver com crenças pessoais, no sentido de uma escolha subjetiva ou uma visão privada de mundo. Isso é o preço do relativismo, que eu não aceito. O relativismo é, além de inconsistente, moralmente desastroso. O relativismo traz tudo para o puro jogo de forças e poder. Para mim a realidade da justiça deve determinar o poder, e não o poder determinar a justiça. E o princípio fundamental de toda justiça é considerar que todos os seres humanos, independentemente de suas condições, são pessoas e sujeitos de direito que merecem respeito.

Por Luciano Trigo
Publicado no g1.globo.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário